27 de dezembro de 2009

Jared Diamond: Porque as sociedades entram em colapso

Palestra de Jared Diamond sobre o livro Colapso - como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso (2005).


Assista a palestra de Jared Diamond [18'18", legendas em português].

Para baixar uma versão digital de Colapso, clique aqui ou aqui.

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19 de dezembro de 2009

Paul Stamets: Como os fungos podem salvar o mundo

Paul Stamets é um apaixonado micólogo norte-americano. Ele acredita que os fungos podem ajudar a melhorar a saúde do planeta, contribuindo para a restauração de ecossistemas, a biorremediação de solos, a produção de inseticidas naturais, a transformação de restos em alimentos, dentre muitas outras aplicações práticas.

Em 2005, ele publicou algumas de suas idéias no livro 'Mycelium running: how mushrooms can help save the world' e no começo de 2008 ministrou essa palestra, em que discute aspectos básicos da biologia dos fungos e as potenciais aplicações destes em serviços ambientais. Embora a aplicação desses conhecimentos seja incipiente no Brasil, ela representa um universo de oportunidades para os micólogos brasileiros, que tem a missão de gerar e aplicar o conhecimento em benefício da sociedade.

Assista a palestra de Paul Stamets abaixo [17'41", legendas em português].


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14 de dezembro de 2009

As regras e o processo de aprendizagem na pós-graduação

Por Letícia Soares


O problema de aprendizagem dos alunos na pós-graduação pode ter origens na educação básica (ilustração: Paulo Henrique Soares)

Como já diziam os sábios, aprender dói. Há um considerável nível de engano para aqueles que pensam que o processo envolvido em aprender acerca de algum aspecto é indolor. Aprender exige que quem passa pelo processo de aprendizagem esteja ciente das próprias limitações e apresente dedicação e habilidade suficientes para que tais limitações não se tornem características inerentes. No entanto, existem vias mais suaves e não menos eficientes pelas quais o aluno pode passar para que as constatações e a superação de suas insuficiências sejam um processo menos traumático e de grande êxito. Uma dessas vias pode ser o estabelecimento, por parte dos educadores, de regras a serem seguidas pelos alunos durante o processo de aprendizagem. Entendem-se aqui como regras roteiros elaborados pelos educadores, que consistem em processos bem estabelecidos com um objetivo final definido. Aos intransigentes de plantão, não se preocupem. Neste caso, o estabelecimento de regras pode ser extremamente útil para resolver problemas como confusão mental, insegurança e falta de linearidade de raciocínio. Utilizando uma analogia simples, as regras funcionariam como uma caixinha dentro da qual o aluno estaria inserido. Toda vez que o aluno se deparasse com algumas das dificuldades ou erros que as regras tentam corrigir, ele esbarraria em algum ponto da caixinha. Este processo poderia ocorrer inúmeras vezes até o momento em que o aluno já conhecesse todos os pontos da sua pequena caixa de regras, as quinas, as arestas e as faces, e dessa maneira se limitasse a uma atuação segura, sem transgredir nenhum ponto da caixinha. O educador então poderia dar-se por parcialmente satisfeito ao constatar a existência de um limiar de atuações anti-erros por parte dos alunos. A parcialidade desse sucesso se justifica no sentido em que ninguém quer ser e/ou ter um aluno embrulhado num pacotinho de regras (o que significa em palavras cantadas “all in all you’re just another brick in the wall”). Além disso, o exercício da criatividade deve ser contínuo e intrínseco e a liberdade de pensamento deve ser sempre posta em prática. Justamente neste momento as regras podem se tornar tolhedoras e gerar profissionais desprovidos de criatividade. O pulo-do-gato para solucionar o problema causado pelas regras na prática criativa do aluno seria se o último saísse da sua caixinha de regras, sem, no entanto, jogá-la fora definitivamente. O ideal seria que a caixinha fosse colocada num lugar cotidianamente visível, como em cima da geladeira ou no móvel ao lado da cama. Dessa forma, o aluno sempre se lembraria das regras e do processo pelo qual ele passou para solucionar déficits de aprendizado e para adquirir algum conhecimento sem permanecer encaixotado dentro do processo.

Um exemplo da caixinha de regras é o roteiro proposto para a elaboração de relatórios no curso de campo Ecologia da Floresta Amazônica, fornecido pelo Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF). Nesses roteiros, os alunos do curso se deparam com um conjunto de regras específicas para construir cada seção dos relatórios dos projetos executados em campo, como a introdução, os métodos, os resultados e a discussão. Especificamente, o roteiro para a introdução dos relatórios sugere uma estrutura textual apelidada de ‘triângulo’. A introdução de acordo com as regras do triângulo requer que o aluno inicie seu texto com um embasamento teórico geral (base do triângulo) e vá especificando gradualmente a apresentação das informações necessárias para a compreensão do estudo (ápice do triângulo). Para quem está escrevendo seus primeiros textos, ou até mesmo para os ‘experientes de plantão’ que ainda encontram grandes dificuldades para introduzir um texto, as regras do triângulo podem ser consideradas como um ótimo roteiro para aprender a estruturar uma introdução coerente. No entanto, é importante que o aluno esteja ciente de que a estrutura do triângulo não é necessariamente adequada para elaborar toda e qualquer introdução. Neste caso, o pulo-do-gato para consolidar a eficiência da regra do triângulo seria que o aluno aplicasse o uso de tais regras, como proposto no curso de campo, mas posteriormente analisasse a aplicação das mesmas com senso crítico. Infelizmente, não só para a regra do triângulo como para a maioria das regras propostas, o pulo-do-gato não ocorre na freqüência desejada pelos educadores e, muitas vezes, os alunos sequer conseguem aplicar as regras. Aparentemente, uma ínfima parcela dos alunos compreende as regras, as exerce com sucesso e posteriormente as supera como parte de um todo um processo necessário de aprendizagem. Ainda não encontrei argumentos qualificados para questionar o uso de tais roteiros de aprendizagem e a estrutura de tais cursos, na sua maioria baseada na caixinha de regras. Porém, ao que parece ser, o problema de aprendizagem dos alunos espelhado na resistência da aplicação das regras pode ter origens pregressas aos métodos aplicados em tais cursos, podendo ter início na educação básica.

Partindo da premissa de que a caixinha de regras é um método eficiente e de que apontei corretamente a origem do problema da inadequação dos alunos à caixinha, este é o ponto em que surge um embate: como lidar na pós-graduação com problemas de aprendizado oriundos na educação primária? Uma forma pessimista (ou realista) é de considerar este um problema sem solução. Afinal, falhas na educação básica são difíceis de corrigir já que o aluno aceita há anos como adequados, conceitos e perspectivas errôneas. No entanto, nós vivemos num país que soluciona seus problemas, incluindo os educacionais, com medidas a curto prazo. Nesse contexto, porque não utilizar uma forma imediatista – e especialmente neste caso não menos eficiente – para solucionar esta questão? A estratégia seria oferecer aos alunos noções sobre didática. Uma vez dado o conhecimento das razões pelas quais uma ou outra regra esteja sendo aplicada, o processo de aprendizagem torna-se dedutivo e não somente um cumprimento de normas. Basicamente, o aluno deveria ser incitado a fazer questionamentos como “porque eu estou fazendo isto desta forma?” ou “aonde o professor gostaria que eu chegasse ao sugerir isto?”. Uma vez que as regras tenham sido interpretadas, a execução dessas ganha sentido para o aluno, que sucumbe eventuais resistências a respeito do cumprimento das mesmas, facilitando a fluência do processo tanto para o aluno como para o educador. Além disso, o maior ganho poderia ser percebido ao fim de toda a jornada, no momento em que o aluno deveria sair da caixinha e analisá-la com bom senso. Outra maneira de fazer com que os alunos tenham noções de didática é o exercício da prática de ensino. Monitorias ou qualquer outra prática de ensino feita por um aluno pode exercer uma quebra de paradigmas extremamente positiva na maneira com a qual o aluno-professor lida com o seu próprio processo de aprendizagem.

Em suma, as regras podem ser uma excelente estratégia educacional. No entanto, o uso das regras pode apresentar resultados insatisfatórios como limitação da criatividade do aluno ou a aplicação inadequada das regras. Uma alternativa razoável seria oferecer noções de didática aos alunos ou incitar que os mesmos participem de práticas de ensino. Finalmente, é de grande importância que antes mesmo de analisar as conseqüências que envolvem o uso das regras nas práticas de ensino, as causas da aplicação de tais métodos não sejam negligenciadas. As ideologias, neste caso o uso da caixinha de regras, não devem ser desligadas da realidade nas quais foram originárias. De fato, é a realidade nas quais surgem tais soluções que torna compreensíveis as ideologias elaboradas (Chaui 1982).

Citação
Chaui, Marilena. 1982. O que é ideologia? Ed. Brasiliensis S.A., 127 pp.



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12 de dezembro de 2009

Girafas, mariposas e anacronismos didáticos

Estava estudando um pouco mais sobre evolução e biogeografia, quando me deparei com o artigo abaixo, da autora Isabel Rebelo Roque, publicado no jornal observatório da imprensa. Achei muito pertinente, os parágrafos finais abordam questões críticas relativas ao precária qualidade do ensinho e a cristalização de conceitos e idéias. Vale a pena ler até o fim.

Ana

Girafas, mariposas e anacronismos didáticos

Por Isabel Rebelo Roque

É bem possível que alguns leitores, independentemente de terem seguido esta ou aquela carreira depois de adultos, ainda se lembrem de algumas coisas de caráter mais pitoresco que estudaram nas aulas de Ciências e de Biologia.

Ao aprendermos sobre evolução, dificilmente teremos deixado de ver estampados nos livros didáticos dois exemplos clássicos: primeiro, o da explicação de Lamarck para o tamanho do pescoço das girafas atuais e seu contraponto darwiniano; segundo, o da seleção natural ocorrida em populações de mariposas dos bosques da Inglaterra durante a Revolução Industrial, que foi alvo de uma série de experimentos realizados na década de 1950 pelo cientista Bernard Kettlewell.

Ocorre que ambas as histórias têm protagonizado, nos últimos anos, calorosas polêmicas na mídia científica internacional, enquanto aqui nada é dito a respeito. Ambos os assuntos abrem, também, complexa discussão que envolve interesses e responsabilidades da comunidade científica sobre o modo como divulga – ou deixa de divulgar – seus estudos e conclusões. Em se tratando de divulgação com fins didáticos, então, a questão torna-se ainda mais delicada.

Por exigência de meu trabalho (sou editora de livros didáticos), precisei pesquisar esses temas, e foi então que constatei a absoluta falta de informações, seja em meio eletrônico ou impresso, em âmbito nacional. Ao que tudo indica, eles não parecem ser suficientemente relevantes para que a comunidade científica brasileira deles se ocupe. Afinal, não é por este ou outro equívoco ou por um ou outro livro didático ou curso desatualizado que a ciência haverá de parar.

Enquanto isso, vão se mantendo, incólumes e imutáveis, as referências às girafas de Lamarck/Darwin e às mariposas de Kettlewell em aulas de Ciências e de Biologia, em exames vestibulares, em inúmeros livros didáticos e em sites e portais de educação para o Ensino Fundamental e Ensino Médio, que pululam na internet.

Tentarei explicar aos leitores, em linhas gerais, do que se trata, dedicando-me, neste primeiro artigo, ao mais simples e (aparentemente) menos polêmico: as girafas de Lamarck. Em outra edição deste Observatório tratarei do caso das mariposas Biston, tema que recentemente mereceu artigo no jornal The New York Times.

Um exemplo clássico

Jean-Baptiste Lamarck, naturalista francês evolucionista, lançou seu livro Philosophie zoologique no mesmo ano do nascimento de Charles Darwin, 1809. Em sua explicação para a evolução dos seres vivos, elaborou duas hipóteses: a do uso e desuso e a da transmissão dos caracteres adquiridos. Segundo essas idéias, os seres vivos seriam capazes de se adaptar a pressões impostas pelo ambiente, para isso utilizando algumas partes do corpo mais intensamente que outras. As partes mais utilizadas se desenvolveriam mais; as menos utilizadas tenderiam a se atrofiar ou mesmo desaparecer. Daí o nome "uso e desuso".

Lamarck ia além, afirmando que essas modificações sofridas pelos seres vivos em resposta a uma imposição do meio seriam transmitidas a sua descendência. Cabe lembrar que até então nada se sabia sobre o papel da herança genética na transmissão de características de geração a geração; Gregor Mendel, que lançou as bases da genética, só viria a nascer em 1822.

E qual o exemplo clássico utilizado para explicar a teoria lamarckista? É o do pescoço das girafas. Nos livros didáticos, costumamos ler que, segundo Lamarck, os ancestrais das girafas teriam pescoço curto. A necessidade de alcançar as folhas das árvores, principalmente em épocas de escassez de alimento, quando só restavam as folhas mais altas, teria provocado o constante exercício de esticar o pescoço. A característica "pescoço alongado" seria, então, transmitida à descendência. O resultado, após milhares de anos de uso intensivo do pescoço e transmissão da característica à prole, teria sido o que vemos hoje: que as girafas têm pescoço longo e musculoso.

Em geral, nos livros, é apresentado o contraponto darwiniano a essa explicação: espécimes diferentes nasceriam com comprimentos de pescoço ligeiramente diferentes. Os indivíduos "privilegiados" nesse quesito apresentariam vantagem sobre os demais na hora de alcançar as folhas mais altas. Em épocas de escassez, essa diferença seria decisiva para definir quem sobreviveria e quem não. Os sobreviventes, com a característica "pescoço mais longo" ("de nascença"), conseguiriam transmiti-la à prole.

Belo e didático exemplo, não? Sim. Seria perfeito, não fossem alguns senões. O primeiro deles é que Lamarck jamais deu a esse exemplo o destaque que ele tem recebido há quase 200 anos.

Achar o fio da meada

O estranho caminho seguido pelo exemplo da elongação do pescoço da girafa – de um mero parágrafo escrito por Lamarck, até sua transformação em "carro-chefe" da teoria lamarckista – é examinado em detalhe em ensaio assinado pelo paleontologista e divulgador científico Stephen Jay Gould, morto recentemente. Intitulado The tallest tale (uma alusão à expressão "tall tale", história cujos detalhes são difíceis de engolir), o ensaio foi publicado originalmente na Natural History Magazine, em 1996.

Em seu texto, permeado do humor sarcástico que o caracteriza, Jay Gould tenta retomar o fio da meada. Observa que, na Philosophie zoologique, Lamarck ocupa-se das girafas somente em um parágrafo, dentro de um capítulo em que figuram muitos outros exemplos a que ele possivelmente atribuiu maior importância.

Quanto a Darwin, em sua primeira edição da Origem das espécies (1859) ele não faz qualquer referência ao pescoço da girafa, mas sim, em outro contexto, à sua cauda!

Jay Gould especula que o exemplo do pescoço da girafa teria assumido importância na literatura científica graças a St. George Mivart, que, em 1871, publicou uma crítica ao darwinismo: The genesis of species. Mivart centrou sua argumentação no pescoço da girafa, e, como sua finalidade era atacar o darwinismo, revestiu sua argumentação de um caráter caricatural.

Darwin, em reação ao ataque de Mivart, acrescentou à sua sexta e última edição da Origem das espécies (1872) um capítulo em que discorre extensivamente sobre o assunto. É essa edição que tem servido de base às versões subseqüentes, e não a primeira, de 1859, em que ele não faz qualquer menção ao pescoço da girafa.

E assim essa história ganhou os livros escolares e em muitos deles perdura até hoje. O agravante é que – a par do fato histórico de que Lamarck jamais deu ao pescoço da girafa tanta relevância – dados subseqüentes, resultantes da observação de girafas em seu hábitat (a África), derrubam de vez o "conto" das folhinhas mais altas em tempos de escassez.

Na verdade, a importância do tamanho e da robustez do pescoço da girafa não se resume a alcançar ou não as folhas mais altas. Entre os machos, por exemplo, o pescoço é uma importante "arma" usada para garantir a dominação e também a preferência das fêmeas, por meio de verdadeiros duelos nos quais às vezes o perdedor acaba perdendo também a vida.

As girafas também têm no comprimento do pescoço uma verdadeira "torre de observação", com a qual podem manter controle sobre a aproximação de predadores, por exemplo. Por si sós, esses dois usos do pescoço – na disputa entre machos e na observação do ambiente – já constituem, segundo os cientistas, fatores bastante relevantes para a importância de seu comprimento.

Jay Gould termina seu artigo especulando sobre as possíveis razões de continuarmos a aceitar o velho "conto" do pescoço esticado para alcançar folhinhas. Talvez porque adoremos uma linda história, ainda que falsa; talvez também porque não estejamos habituados a questionar pretensas autoridades – neste caso, a dos livros.

Mais lenha na fogueira

No mesmo ano em que Jay Gould publicou seu artigo (1996), os zoólogos Robert Simmons e Lue Scheepers publicaram, na American Naturalist, o artigo "Winning by a neck: sexual selection in the evolution of giraffe" ("Vencendo por um pescoço: seleção sexual na evolução da girafa"). Nele, a dupla põe mais lenha na fogueira ao afirmar que, durante a estação seca, as girafas alimentam-se dos arbustos, e que é na estação de chuvas que elas se voltam para o alto das acácias, situação em que nenhuma competição é esperada.

Outro aspecto observado por Simmons e Scheepers é que as fêmeas passam metade de seu tempo alimentando-se com o pescoço em posição horizontal (comportamento tão típico que é útil para identificar o sexo do animal a distância). Além disso tudo, ambos os sexos alimentam-se mais freqüentemente com o pescoço curvado para baixo. Tudo isso, segundo eles, sugere que o tamanho do pescoço não teria evoluído especificamente em decorrência da busca de alimento em locais mais elevados.

Para refutar a possível objeção de que a competição entre machos não explicaria o comprimento do pescoço das fêmeas, Simmons e Scheepers argumentam que ele seria um resultado da correlação genética entre os sexos, e que outras espécies exibem correlações similares entre sexos – ou seja, no caso das fêmeas, o pescoço longo teria vindo como uma espécie de "brinde".

Outro artigo sobre o assunto, assinado pelo professor Steve Rissing, do Departamento de Evolução, Ecologia e Biologia dos Organismos da Ohio State University, foi publicado na Columbus Dispatch em fevereiro de 2001. Em seu texto, ele se refere ao "conto" das girafas como tema favorito dos "cartunistas da arca de Noé" e "ícone" dos textos científicos sobre a seleção natural de Darwin. Mas analisa que a derrubada da história tal qual a vemos nos livros não significa a morte do darwinismo. O fato de se haver concluído que o comprimento do pescoço da girafa é um exemplo de seleção sexual, e não de seleção natural, não invalida a teoria darwinista, já que Darwin, em sua teoria, considerou também a existência de outros mecanismos na evolução dos seres vivos. Mas ele é categórico quanto à necessidade de se atualizar os textos. "That’s OK; that’s science; that’s how we learn", diz ele.

Muito barulho por nada?

Afinal, qual é a importância de tudo isso? O lamarckismo, seja quando se refere (ou não) a pescoços de girafa, seja quando recorre a qualquer outro exemplo, já não foi devidamente nocauteado? Sim, é um fato. Acontece que não se trata, neste caso, apenas de preservar a memória de um cientista, atribuindo a "César o que é de César" e a Lamarck o que é de Lamarck. Para usar uma expressão bastante popular, "o buraco é mais embaixo".

Quando falamos em atualizar as informações nos materiais de divulgação científica, nos cursos e nos livros didáticos, falamos em colocar em evidência um problema bem maior: o da "cristalização" de determinados conceitos, em ciência como também em outros campos do conhecimento. E também do problema crônico da não-ventilação das informações a que têm acesso professores e autores de material didático, os quais, em geral, são também professores – com formação superior na área, mas não cientistas.

Falamos do risco de apresentar a ciência como algo sagrado e fechado, que permanece imutável, a salvo de reavaliações, e ao mesmo tempo – como a história das girafas mostrou – tão suscetível a ponto de cair em "armadilhas" de reedições.

Falamos, ainda, do comodismo de nos agarrar a "modelos" científicos que constituiriam excelentes confirmações de teorias "oficiais" – não fossem eles inconsistentes como modelos e não fossem elas apenas teorias.

Contrapor a suposta explicação de Darwin para o tamanho do pescoço da girafa à de Lamarck, à luz dos conhecimentos genéticos atuais, acaba por cumprir uma infame e nem um pouco inocente função: desmoralizar e ridicularizar o também evolucionista Lamarck, sem levar em conta o momento histórico em que viveu, e oficializar a visão de Darwin, omitindo do leitor o fato de que suas idéias sobre seleção natural a cada dia encontram menos consenso na comunidade científica – o que, bem explicado, não tem nada que ver com endossar o criacionismo, mas apenas com a necessidade de levar em conta outras possibilidades para explicar a história da vida na Terra.

Ou seja, estampar num livro, lado a lado, a explicação lamarckista e a darwiniana para o tamanho do pescoço da girafa produz como efeito imediato a adesão do leitor à teoria darwiniana, sem lhe dar oportunidade para reflexão, por absoluta falta de maiores subsídios. É, em outras palavras, manipulação.

Assim, à conclusão de Jay Gould de que adoramos uma linda história pode-se acrescentar que "acima de nós" existe um bocado de gente que "adora" o fato de adorarmos uma linda história.

No caso específico da realidade brasileira, deparamos com outro agravante: a morosidade com que se dá, aqui, a divulgação das vozes dissonantes publicadas lá fora. Bastam como exemplos os próprios textos que cito neste artigo: todos publicados na mídia americana de divulgação científica, sem terem sido traduzidos ou sequer comentados pela mídia brasileira, e dois deles nem tão recentes assim, de seis anos atrás.

No próximo artigo, em que falarei da controvérsia envolvendo outro "conto" – o das mariposas de Kettlewell –, acrescentarei à discussão mais um aspecto do corporativismo no meio científico: a manipulação de dados na experimentação.

Referências

JAY GOULD, Stephen. "The tallest tale". Natural History Magazine, maio 1996, p. 18-27.

RISSING, Steve. "Giraffe story shows why science sticks its neck out". The Columbus Dispatch, 4 fev. 2001, p. 7C.

SIMMONS, Robert E. & SCHEEPERS, L. "Winning by a neck: sexual selection in the evolution of giraffe". The American Naturalist, 148

Isabel Rebelo Roque é editora de livros didáticos
Artigo publicado originalmente no jornal observatório da imprensa


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11 de dezembro de 2009

Impune até quando?

Essa é uma história de invasão de terra, desmatamento ilegal, destruição de patrimônio e ameaça de morte. Não é sobre a irmã Dorothy e não passa no Pará. Passa aqui perto, no município de Iranduba, onde tenho um sítio, com uma vista linda do rio Negro. Na verdade, o sítio é meu e de três sócios, também colegas de trabalho. Compramos há uns doze anos, principalmente porque continha uma área muito bonita de floresta primária. Nos dedicamos a proteger a floresta lá, mas não adiantou.

Por Mario Cohn-Haft

Na noite da sexta-feira passada, a casa do sítio queimou até o chão. Foi incendiada propositalmente por uns quatro homens que chegaram se perguntando em voz alta, “A gente mata ele ou só bota fogo na casa?” Foi isso que o caseiro ouviu por volta das 22 horas, logo antes de fugir pelos fundos. Ele só não estava dormindo naquele horário porque tinha recebido mais cedo um recado através de um parente dele: “Saia da casa se quiser continuar vivo”. Quando não tinha mais jeito, acabou seguindo o conselho.


Assim, então, foi a etapa mais recente do conflito que se acirrou ao longo dos últimos meses. Aqui em Manaus estamos acostumados, calejados até, a ouvir falar sobre a invasão de terras, principalmente de mata virgem. Sabemos, inclusive, que é o método preferido de expansão urbana, pois é barato e certeiro. Aproveita da imagem de gente pobre sem terra, acontece rapidamente e depois não tem como recuperar a floresta perdida, e oferece a candidatos políticos popularidade em anos eleitorais através da legalização retroativa. É uma indústria, tacitamente aceita e até encorajada por governos locais—já faz parte do planejamento do desenvolvimento.

No caso do nosso sítio, o terreno vizinho, também coberto por floresta primária, parece pertencer a um ex-prefeito da região. Esse, segundo fontes locais, teria prometido loteá-lo em centenas de terrenos menores. Apesar de disputas sobre a verdadeira posse dessa propriedade, colocou-se um administrador chamado “Pingelão”, um cara temido pelo povo local, para tocar a distribuição e ocupação do loteamento, denominado “Residencial Portelinha”. A partir daí começou o desmatamento e, eventualmente, a invasão e o desmatamento de grandes partes do nosso sítio.

Mas antes disso, já houve conflitos. A principal indústria no município de Iranduba são as olarias—fábricas de tijolos e telhas de barro. É uma indústria de exploração de recursos naturais: o barro que compõe o solo da região é cavado, preparado, e assado em fornos a lenha, também extraída das matas ao redor. Na ausência de um sistema de plantio de espécies próprias para lenha, o desmatamento resultante já afetou a região quase toda, nossa área sendo uma das poucas ainda a ter mata alta e bonita. Foi justamente isso que nos atraiu para o local, onde já foi catalogada uma biodiversidade maravilhosa, inclusive espécies de sapo e macaco novas para a ciência. Sempre tivemos que proteger o terreno contra a extração ocasional de madeira.

Naturalmente, a chegada do asfalto e da luz elétrica ao ramal de acesso, há vários anos, aumentaram a pressão em cima da florestinha. E também trouxeram facilidades, inclusive para a nossa capacidade de vigiar. Mas no último ano, talvez devido ao começo da construção da ponte sobre o rio Negro e a perspectiva do outro lado do rio se tornar uma continuação da área urbana de Manaus, acelerou notavelmente a venda e invasão de terras por lá.

O loteamento da Portelinha, que parece não ter nenhum tipo de autorização ambiental, já desmatou sua área toda e começou a invadir o nosso terreno, derrubando floresta primária e pondo fogo. Tivemos que iniciar uma série de denúncias em todas as instâncias possíveis, que até hoje não resultaram em nenhuma resposta legal. Enquanto isso, tivemos que remarcar repetidamente os limites de nossa propriedade e que remover construções feitas dentro dela. O incêndio da nossa casa parece ser uma resposta direta e pessoal à nossa insistência em manter o que é nosso.

A casa não fica perto da área invadida, não há outra ocupação ou desmatamento próximo, e o fogo não originou em outro local. No meio de uma área isolada e particular, uma casa queimou até o chão em poucas horas. Não tenha dúvida de que foi proposital. Foi anunciado. E também foi ameaçado e debatido assassinar o caseiro.

Incêndio doloso é crime sério. Mas desmatar, invadir terra particular e ameaçar vida humana também são. Quando começará a haver investigação, condenação e punição? Quem executa o crime já é criminoso. Quem está por trás é bandido. Enquanto estes elementos são tolerados agindo em prol do desenvolvimento regional, onde está a tal “governança” que nos foi garantida para mudar o curso da história para um desenvolvimento ecológico e sustentável? Se não há controle no quintal da capital, devemos acreditar na governança nos mega-projetos do interior? Essa é a Manaus, o Amazonas, social e ambientalmente corretos que estamos correndo para mostrar ao mundo em 2014?

07 dezembro 2009

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1 de dezembro de 2009

Annie Leonard contra-ataca: The Story of Cap & Trade (2009)

Segue link para 'The Story of Cap & Trade', de Annie Leonard [9'56"]. Esse vídeo, recém lançado, critica o panorama atual das negociações envolvendo o mercado internacional de carbono, alegando que mecanismos compensatórios não vão gerar reduções significativas nas emissões, levando à conclusão que o mercado de carbono não vai ser efetivo para contribuir para a redução da concentração de gases associados com o aquecimento global. Infelizmente ainda não está disponível a versão com legendas em português.

Veja o trailer abaixo e o vídeo na íntegra aqui.


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24 de novembro de 2009

Saúvas: uma sociedade de formigas

As Saúvas - Uma sociedade de formigas (Jo Fava Alves)

As formigas habitam o planeta Terra há mais de cem milhões de anos. Apesar de pequenas e da aparente simplicidade, elas têm uma complexa organização social com um sofisticado sistema de divisão de tarefas. Este vídeo mostra fenômenos e comportamentos que retratam a biologia e a ecologia desses insetos sociais.

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11 de novembro de 2009

Turfeiras da Amazônia: um dreno desconhecido de carbono atmosférico e uma fonte em potencial

Por Outi Lähteenoja (adaptado de Lähteenoja et al. 2009)

Em ecossistemas de águas paradas e falta de oxigênio, as folhas e troncos de árvores que caem no chão não decompõem completamente, devido à ação apenas parcial microbiota decompositora. Consequentemente, uma parte da vegetação parcialmente decomposta fica acumulada sobre o solo formando um material chamado turfa. Uma vez que as plantas contêm carbono atmosférico obtido pelo processo de fotossíntese, o acúmulo de turfa reduz o efeito estufa e, a longo prazo, o aquecimento global, e, portanto, é benéfica ao meio ambiente.


A maioria das turfeiras do mundo está localizada em regiões de clima frio, cobertas por florestas temperadas, boreais ou tundras, mas nas últimas décadas, importantes áreas de turfeiras foram descobertas em florestas tropicais do sudeste da Ásia. Estas turfeiras podem ter até 20 metros de profundidade e acumulam turfa em taxas muito altas. Portanto, as turfeiras asiáticas são importantes reservas e drenos de carbono atmosférico (Page et al. 2004). É supreendente que as turfeiras da maior área de floresta tropical do mundo – a Amazônia – sejam praticamente desconhecidas e inexploradas (Schulman et al. 1999).


Em estudo feito por mim junto a colegas das Universidades de Helsinki, Turku e Iquitos (Universidad Nacional de la Amazonía Peruana), exploramos 17 áreas encharcadas na floresta Amazônica Peruana, em Loreto (perto de Iquitos). O objetivo foi determinar se os ecossistemas de águas paradas na Amazônia também são áreas de acúmulo de turfa. A resposta é sim, pois em 16 dos 17 sítios estudados, encontramos um importante acúmulo de turfa, em um dos sítios, essa camada atingiu quase 6 metros de profundidade. Nossos resultados, apresentados na tabela abaixo, mostraram, pela primeira vez, que a formação de turfa é muito comum na Amazônia.


Área de estudo

Profundidade média (em cm) da camada de turfa (mín. e máx entre parênteses)

Taxa média de acumulação de turfa (mm/ano)

Taxa média de acumulação de carbono (g m-2/ano)

Aucayo

5 (0-70)



Buena Vista

210 (0-300)

2.50±0.10


Charo

140 (0-210)

2.56±0.12


Chino

0 (0-30)



Ex Petroleros

110 (50-170)



Fundo Junior

260 (140-420)



Itaya 1

10 (0-30)



Itaya 2

0 (0)



Itaya 3

0 (0-20)



Pebas

55 (40-70)



Primavera

55 (10-150)



Quistococha

245 (0-490)

1.69±0.03

74±15

Riñón

370 (300-390)

2.32±0.12

39±10

San Jorge

250 (0-590)

1.92±0.05

85±30

San Nicolas

145 (0-270)



Santa Rosa

110 (10-150)



Tarapoto

145 (100-180)




Dados extraídos de Lähteenoja et al. (2009).


Um segundo passo foi medir a taxa de acumulação de carbono na camada de turfa destas áreas encharcadas. Com isso, pudemos estimar quanto carbono é removido da atmosfera durante o lento processo de desenvolvimento de uma turfeira. Isso foi possível através da datação do radiocarbono, que é feita com base na proporção entre o C12 e C14. Em nosso estudo, encontramos altas de taxas anuais de acumulação: de 0,94 a 4,88 mm de turfa e 26 a 195 g de carbono.


Porém, a existência de turfeiras é totalmente dependente da presença de água parada e, em condições de seca, tais turfeiras podem se tornar uma fonte de carbono para a atmosfera e contribuir para o aceleramento do aquecimento global e do efeito estufa. Isso aconteceu, por exemplo, em 1997, quando após um período de seca e fogos sucessivos, turfeiras na Indonésia emitiram entre 0,81 e 2,57 gigatoneladas de carbono para a atmosfera, o equivalente a 13 a 40 % da emissão anual mundial proveniente de combustíveis fósseis (Page et al. 2002).


Ainda que as turfeiras da Amazônia estejam relativamente bem conservadas e, portanto, não representem atualmente uma fonte de emissão de carbono, tais sistemas representam um importante dreno e estoque de carbono atmosférico. Segundo a estimativa feita por Schulman e colaboradores (1999), a Amazônia possui 150.000 km2 de turfeiras, uma área de escala semelhante à ocupada por turfeiras na Indonésia. Semelhante também são os diversos fatores que ameaçam a integridade dos ecossistemas amazônicos e indonésios – como, por exemplo, períodos de seca prolongados no futuro.


Considerando-se os atuais impactos da ação humana na Amazônia, aliados à experiência do que ocorreu na Indonésia, fica clara a urgente necessidade de se conservar estes ecossistemas pouco conhecidos.


Esse texto está baseado na seguinte publicação:


Lähteenoja, O, Ruokolainen K, Schulman L, Oinonen M (2009) Amazonian peatlands: an ignored C sink and potential source. Global Change Biology 2009, 15:2311–2320.


Outros trabalhos citados:


Page SE, Siegert F, Rieley JO, Boehm HDV, Jaya A, Limin S (2002) The amount of carbon released from peat and forest fires in Indonesia during 1997. Nature, 420, 61-65.


Page SE, Wüst RAJ, Weiss D, Rieley JO, Shotyk W, Limin SH (2004) A record of Late Pleistocene and Holocene carbon accumulation and climate change from an equatorial peat bog (Kalimantan, Indonesia): implications for past, present and future carbon dynamics. Journal of Quaternary Science, 19, 625-635.


Schulman L, Ruokolainen K, Tuomisto H (1999) Parameters for global ecosystem models. Nature, 399, 535-536.


Agradeço a Gabriela Zuquim pelo incentivo e pela tradução ao português.



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