4 de janeiro de 2010

Implicações da falta de relação entre características ambientais e a decomposição de madeira na Amazônia Central

A maioria dos estudos sobre a decomposição de madeira nos trópicos se limitou em analisar os efeitos da qualidade do substrato sobre a decomposição. Contudo, a influência de características ambientais sobre esse processo ainda foi pouco estudada, embora possam contribuir para o entendimento da variabilidade espacial das emissões de carbono pelas florestas tropicais.

Por José Júlio de Toledo

Na Amazônia Central, pequenas variações das características do solo e topografia foram associadas a diferenças nas taxas de decomposição da liteira fina (folhas, frutos e galhos ≤ 2,5 cm de diâmetro) e na ciclagem de nutrientes (Luizão et al. 2004, 2007). Essas variações de solo e topografia podem contribuir para aumentar a variação espacial do processo de decomposição independentemente de características intrínsecas da madeira, sendo uma fonte adicional de variabilidade nas estimativas de perda de carbono da floresta.

Pesquisadores estão interessados em determinar se a floresta amazônica está atuando como um sumidouro de carbono. Um ecossistema pode ser considerado como um sumidouro quando o ganho de carbono através da fotossíntese supera as perdas por respiração. Devido ao cenário de mudanças climáticas causado pelas atividades antrópicas emissoras de gases de efeito estufa, a identificação dos sumidouros tornou-se crucial para a compreensão e manutenção do balanço global do carbono. A identificação de um sumidouro de carbono requer estudos que determinem a quantidade de carbono absorvido e a quantidade de carbono emitido. O carbono absorvido é determinado através do crescimento da floresta, e as perdas são determinadas principalmente através da mortalidade das árvores. Subtraindo a quantidade absorvida pela perdida é possível definir se a floresta está atuando como um sumidouro ou fonte de carbono para a atmosfera.

As estimativas de ganho e perda são baseadas em dados de biomassa, que são convertidos para carbono, pois quase 50 % do peso seco de uma árvore é carbono. No entanto, quando uma árvore morre, todo carbono da madeira não é liberado prontamente para a atmosfera. A velocidade com que esse carbono é liberado dependerá da taxa de decomposição do material. Existem espécies de árvores cuja madeira se decompõe em taxas muito rápidas (ex. Cecropia) e outras que perduram várias décadas na floresta depois de mortas (ex. Manilkara, Minquartia). Estimativas precisas da quantidade de carbono que é liberado para a atmosfera, portanto, dependem de dados da taxa de decomposição da madeira, através da qual é possível determinar quanto do carbono contido na biomassa morta está sendo liberado para atmosfera ao longo do tempo.

Na Reserva Florestal Adolpho Ducke montamos um experimento para determinar se características ambientais influenciam a decomposição de madeira. Nós utilizamos madeira de quatro espécies de árvores que variam em densidade na seguinte ordem: Manilkara huberi (Maçaranduba) > Couratari guianensis (Tauari) > Hura crepitans (Assacú) > Parkia pendula (Arareira). Em 72 parcelas permanentes nós depositamos uma amostra de madeira (~ 5 x 3 x 2,5 cm) de cada espécie no ano de 2007. Um ano depois, recolhemos as amostras, ou o que restou delas, e determinamos a perda de peso seco, que foi atribuída ao processo de decomposição desempenhado pelos fungos, insetos e outros invertebrados da floresta (maiores detalhes em Toledo et al. 2009).

Amostras de madeira recém depositadas (A) e depois de um ano na floresta (B).

As parcelas na Reserva Ducke abrangem uma grande diversidade de ambientes que apresentam variações na estrutura e fertilidade do solo e topografia. Essas diferenças ambientais podem contribuir para variação do processo de decomposição ao longo da paisagem. As seguintes características ambientais medidas nas parcelas foram relacionadas com a decomposição de madeira: textura; e nutrientes no solo; biomassa arbórea; quantidade de liteira fina; altitude; e inclinação do terreno. Utilizamos a técnica conhecida como regressão múltipla para relacionarmos a percentagem de peso perdido das amostras com características ambientais. Mas, como as características ambientais descritas aqui poderiam influenciar a decomposição de madeira?

As hipóteses foram que a decomposição de madeira seria mais rápida em solos argilosos e locais com maior biomassa devido à manutenção de umidade e temperatura constantes que favoreceriam a atividade de decompositores; solos argilosos têm maior capacidade de retenção de água que os arenosos e, maior biomassa geralmente impede a penetração de grande quantidade de luz. A decomposição também seria mais rápida sobre solos mais férteis porque maior proporção de nutrientes permaneceria disponível para os decompositores iniciarem o processo de decomposição. No entanto, esperava-se que o processo de decomposição fosse mais lento em locais com maior inclinação devido à baixa umidade e fertilidade do solo nessas áreas. Também, esperava-se maior lentidão no processo de decomposição em locais com maior quantidade de liteira fina sobre o solo, um indicativo de baixa atividade de decompositores.

Os resultados foram inesperados. As características ambientais não foram relacionadas com o processo de decomposição (
Toledo et al. 2009). Provavelmente as hipóteses foram mal formuladas ou a metodologia utilizada foi falha. As opções seriam publicar somente uma nota (como sugerido) ou submeter o trabalho ao Journal of Negative Results (http://www.jnr-eeb.org/index.php/jnr). Embora muitos tenham aversão a resultados não significativos, pois geralmente têm de deixar sua hipótese alternativa de lado, a falta de relação entre as variáveis ambientais estudadas e a decomposição é uma informação importante sobre o ecossistema. A falta de relação entre a decomposição de madeira e as características ambientais indicou que pode haver uma assimetria entre a produtividade de liteira grossa (galhos e troncos > 2,5 cm de diâmetro) e a ciclagem de carbono e nutrientes na área. A produção de liteira grossa aparentemente segue um padrão inverso ao da acumulação de biomassa arbórea, pois maior mortalidade de árvores ocorre nos baixios com solos arenosos (Toledo, 2009) ao passo que maior quantidade de biomassa é encontrada nos platôs com solos argilosos (Castilho et al. 2006). Assim, áreas de baixios podem acumular maior quantidade de liteira grossa que platôs, pois o processo de decomposição de madeira não está relacionado com solos e topografia. No entanto, como a liteira não se acumula indefinidamente, as taxas de decomposição podem se igualar às taxas de produção em longo prazo. Contudo, taxas iniciais de decomposição afetam a quantidade de carbono estocado na biomassa morta. Se as condições climáticas mudarem rapidamente, como é esperado em vários modelos climáticos (ex. Marengo et al. 2008, 2009), a produção pode estar desbalanceada com o processo de decomposição em algum período. As características do solo e topografia explicam cerca de 30 % da variação da biomassa arbórea sobre o solo na Reserva Ducke (Castilho et al. 2006). Baseados nessa relação simples acreditamos inicialmente que a decomposição de madeira pudesse seguir padrões similares, permitindo uma modelagem relativamente simples do fluxo de carbono. Entretanto, os fatores que afetam a decomposição de madeira parecem ser mais complexos do que o esperado, e nossos resultados indicam que dados de solo e topografia contribuirão muito pouco na previsão da variação da decomposição de madeira em áreas similares à Reserva Ducke.

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Texto baseado no artigo
Toledo, J. J., Magnusson, W. E., Castilho, C. V., 2009. Influence of soil, topography and substrates on differences in wood decomposition between one-hectare plots in lowland tropical moist forest in Central Amazonia. Journal of Tropical Ecology, 25: 649-656.

Referências Complementares
Castilho, C. V., Magnusson, W. E., Araújo, R. N. O., Luizão, R. C. C., Luizão, F. J., Lima, A. P., Higuchi, N., 2006. Variation in aboveground tree live biomass in a Central Amazonian forest: Effects of soil and topography. Forest Ecology and Management 234, 85-96.

Luizão, R. C. C., Luizão, F. J., Paiva, R. Q., Monteiro, T. F., Sousa, L. S., Kruijt, B., 2004. Variation of carbon and nitrogen cycling processes along a topographic gradient in a Central Amazonian forest. Global Change Biology 10, 592-600.

Luizão, R. C. C., Luizão, F. J., Proctor, J., 2007. Fine root growth and nutrient release in decomposing leaf litter in three contrasting vegetation types in Central Amazonia. Plant Ecology 192, 225-236.

Marengo, J. A., Jones, R., Alves, L. M., Valverde, M. C., 2009. Future change of temperature and precipitation extremes in South America as derived from the PRECIS regional climate modeling system. International Journal of Climatology 29, Early View (Online).

Marengo, J. A., Nobre, C. A., Tomasella, J., Oyama, M. D., De Oliveira, G. S., De Oliveira, R., Camargo, H., Alves, L. M., Brown, I. F., 2008. The drought of Amazonia in 2005. Journal of Climate 21, 495-516.

Toledo, J. J., 2009. Influência do solo e topografia sobre a mortalidade de árvores e decomposição de madeira em uma floresta de terra-firme na Amazônia Central. Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA, Manaus, 75 p.

Veja mais no site do PPBio Amazônia Ocidental
http://ppbio.inpa.gov.br/Port


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