7 de setembro de 2009

Modelagem da distribuição de espécies na Amazônia

Por Gabriela Zuquim, Ricardo Braga Neto (Saci), Ana Catarina C. Jacovak (Catá)

Os esforços para a conservação da Amazônia são grandes, no entanto, ainda maior é a falta de conhecimento sobre vastas áreas deste bioma. De Manaus ou de Brasília e debruçados sobre mapas decisões vão sendo tomadas, mas vastas áreas da Bacia Amazônica o conhecimento sobre as espécies que ali vivem e as densidades em que ocorrem é pouco ou nulo. Em alguns locais, os dados disponíveis se resumem a listas de espécies de alguns grupos biológicos coletados em uma única excursao organizada por uma ONG, Instituto de pesquisas, Universidade ou Secretaria do Governo. Em outros casos, nem esse dado está disponível, e temos que adivinhar o tipo de ambiente e conseqüentemente as espécies que lá ocorrem com base em imagens de satélite. Ou seja, a verdade é que não sabemos o que vive em diversas áreas da Amazonia e dada à extensão do bioma e a dificuldade de acesso à maioria das regiões, dificilmente saberemos. Isto quer dizer que a distribuição espacial de muitas espécies amazônicas continuará pouco conhecida.

Na tentativa de preencher esta lacuna do conhecimento, a abordagem mais utilizada é a da modelagem da distribuição de espécies. Com base nas espécies que ocorrem em uma área, tenta-se prever o que deve ocorrer em áreas desconhecidas adjacentes e com condições ambientais similares. Em um exemplo simplificado podemos citar a Samaumeira (Ceiba petandra), que é uma espécie de árvore que freqüente em florestas de várzea, mas raramente ocorre em florestas de igapó e nunca em terra-firme (a não ser que plantada). Portanto, ainda que não possamos acessar todas as várzeas da Amazônia, é razoável planejarmos o manejo desta espécie enfocando ambientes de várzea.

Para se entender a distribuição das espécies é importante entender e classificar o habitat em que vivem. Classificações grosseiras como igapó, várzea, terra firme, campina etc., são um primeiro passo, porém existe uma grande variedade de ambientes dentro destas categorias que devem ser levados em consideração. Um dos desafios é compreender a heterogeneidade de ambientes que existe debaixo do que vemos como um tapete verde, como as florestas de terra firme.

Na Amazônia, trabalhos sobre modelagens em larga escala são feitos utilizando-se amostragens em campo aliadas às bases de dados disponíveis na internet. Veja abaixo uma compilação de bancos de dados públicos freqüentemente utilizados:

Tipo de informação

Distribuição de espécies
Fonte
Dados de ocorrência de diversos organismos em diversas
regiões do mundo
Dados de ocorrência de diversos organismos com ênfase
no Brasil



Clima

Superfícies climáticas interpoladas para o mundo todo
(resolução de 1km)
Cenários para o futuro do clima no mundo

Reconstruções do paleoclima


Topografia

Modelos de Elevação Digital e variáveis relacionadas
para o mundo todo (resolução de 1km) inclusive usando SRTM


Sensoriamento remoto

Várias bases de dados de cobertura
Imagens da terra e atmosfera usando MODIS
(Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer)
Série histórica de imagens LANDSAT do Brasil


Solos

Tipos de solo no mundo

Com os dados organizados, são gerados mapas através de programas como MAXENT, GARP ou ArcGIS. Os mapas são lindos, e parecem simples de entender. Porém, estes modelos devem ser interpretados com muita cautela. Antes de interpretar o mapa gerado é necessário observar cuidadosamente (e com uma boa dose de criticismo) quais os métodos que foram empregados, como por exemplo, quais as variáveis ambientais incluídas e qual a densidade de amostragem de cada variável (ambiental e biológica). As estatísticas utilizadas atualmente para avaliação da qualidade do modelo (por exemplo, a Área abaixo da curva - AUC) têm recebido muitas críticas, no entanto ainda não há outro método reconhecidamente melhor.

Modelo da porcentagem de probabilidade de ocorrência de Bicho-preguiça (Bradypus variegatus) gerado pelo programa MAXENT (escala logarítmica). As áreas vermelhas indicam o local de maior probabilidade de ocorrência. O mapa foi gerado utilizando-se dados de presença do Bicho-Preguiça (coordenadas geográficas referentes aos locais onde o animal foi observado) em combinação com variáveis ambientais como precipitação, temperatura, tipo de hábitat (ecorregião). O banco de dados está disponível no tutorial do programa (dica: costuma funcionar melhor em Internet Explorer do que em Mozilla Firefox)

As modelagens têm sido utilizadas no mundo todo, e representam um papel central no planejamento de estratégias de uso do solo. A tabela abaixo apresenta alguns trabalhos clássicos que usaram modelagem de distribuição de espécies com diferentes objetivos.

Objetivo do estudo
Referência
Orientar estudos de campo que visam encontrar
populações de espécies conhecidas
Bourg et al. 2005, Guisan et al. 2006


Orientar estudos de campo para acelerar o descobrimento
de novas espécies
Raxworthy et al. 2003


Projetar os potenciais impactos das mudanças climáticas
Iverson and Prasad 1998, Berry et al. 2002,
Hannah et al. 2005;
revisão: Pearson and Dawson 2003
Prever chegada e estabelecimento de espécies invasoras
Higgins et al. 1999, Thuiller et al. 2005;
revisão: Peterson 2003
Explorar mecanismos de especiação
Kozak e Wiens 2006, Graham et al. 2004b
Dar suporte à seleção de reservas e de áreas prioritárias à
conservação
Araújo e Williams 2000, Ferrier et al. 2002,
Leathwick et al. 2005
Entender os impactos de mudanças do uso da terra na
distribuição de espécies
Pearson et al. 2004
Testar teorias ecológicas
Graham et al. 2006, Anderson et al. 2002b
Comparar paleodistribuição e filogeografia
Hugall et al. 2002
Orientar a reintrodução de espécies ameaçadas de extinção
Pearce e Lindenmayer 1998
Acessar os riscos à saúde
Peterson et al. 2006, 2007


A relevância da modelagem de distribuição de espécies na Amazônia é inquestionável. Mas até que ponto os resultados serão levado em conta, é outro passo. Sempre fica aquela dúvida: quem quer ouvir o temos a dizer? São trabalhos que transitam entre o mundo acadêmico e escritórios de Brasília. Ao menos algumas das abordagens sobre modelos para Amazônia têm sido levadas a sério. As modelagens das ameaças a partir do monitoramento do fogo e do desmatamento têm gerado cenários para o futuro da região, os fatores que potencializam tais impactos, como estradas e a eficiência das reservas no combate ao fogo também são considerados durante avaliação do impacto ambiental e social de obras de infra-estrutura. Por outro lado, a modelagem de distribuição de grupos biológicos na Amazônia ainda engatinha, mas progride. Vamos acompanhando e contribuindo para ver onde vai chegar.


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