16 de janeiro de 2009

Entrevista com Fernando Figueiredo: como foi seu mestrado em ecologia no Inpa?

Por Ricardo Braga-Neto [Fonte: ULE, União Local de Ecólogos, 16/01/09]

Quem planeja um projeto ambicioso, sabe que inevitavelmente expõe-se a algum risco, pois há pouco tempo para conduzi-lo dado os prazos da pós-graduação vigentes no Brasil. Muitos estudos em ecologia implicam em uma fase de campo intensa, quando o pesquisador tem a chance de coletar informações inéditas sobre algum grupo biológico e/ou área geográfica.

Para os desavisados, o projeto de mestrado de Fernando Figueiredo (foto) poderia parecer ousado demais. Entretanto, a categoria com que desenvolveu seu estudo, na Coordenação de Pesquisas em Ecologia do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), é digna de reconhecimento, sendo um exemplo bastante estimulante para futuros projetos em ecologia na região. Ele foi orientado por Flávia Costa, recém contratada pelo Inpa, e trabalhou com um grupo de plantas herbáceas da ordem Zingiberales, que inclui espécies importantes para a economia local, como o arumã (Ischnosiphon spp.) e as helicônias (Heliconia spp.). Do ponto de vista acadêmico, as plantas herbáceas têm grande aplicação em estudos de impacto ambiental (EIA's) e estudos focados em conservação biológica.

O título de sua dissertação, “Variação Florística e Diversidade de Zingiberales em Florestas da Amazônia Central e Setentrional”, sugere a magnitude da empreitada. Fernando concluiu o mestrado em meados de 2008 e concedeu esta entrevista com um entusiasmo digno de um jovem pesquisador. Para ver a íntegra de sua dissertação de mestrado, clique aqui (arquivo em PDF, 660 KB). Segue a entrevista.

ULE - Nando, você pode falar um pouco sobre seus interesses como pesquisador? Fernando Figueiredo - De maneira geral, pretendo trabalhar com a questão da conservação na Amazônia, mais especificamente com os padrões de distribuição geográfica da biodiversidade. No mestrado, meu tema de pesquisa teve uma abordagem mais teórica que aplicada, mas acredito que terei de estar apto no futuro a transitar no contínuo teórico-prático da pesquisa. Atualmente, tive a oportunidade de trabalhar na criação de um guia de plantas e foi uma experiência enriquecedora. É difícil definir agora um caminho exato. Independente do caminho, ele deve estar pautado não só pela atividade de pesquisa em si, mas também pelas atividades de formação e capacitação de recursos humanos e divulgação do conhecimento. Acho que a divulgação deve ser voltada também para diferentes públicos, governo, setor privado e sociedade civil, e não só para a academia. É isso que eu espero para meu futuro profissional.

ULE - Quais foram os principais resultados encontrados na sua pesquisa? Fernando Figueiredo - O primeiro diz respeito ao padrão de variação de riqueza. Encontrei uma relação positiva entre riqueza de espécies e clima, ou seja, tem mais espécies de Zingiberales onde chove mais e a estação seca é menor. Esse era um padrão já esperado e encontrado também para árvores na Amazônia. No entanto, em alguns sítios o número de espécies é maior que o esperado, isso devido a alta variabilidade de fertilidade do solo presente no sítio. Como foi no caso da REBIO do Uatumã, que apresentou tanto espécies de solo pobre como também as espécies de solo um pouco mais fértil, condição encontrada apenas neste sítio. Temos aqui um caso da diversidade beta local afetando a diversidade alfa regional. No segundo objetivo tentei entender um pouco sobre os fatores que afetam a variação florística, numa resolução fina, ao nível de parcelas. A principal variação na composição de espécies esteve associada com o gradiente climático conjuntamente com o gradiente geográfico, ou seja, da Amazônia Central para a Setentrional. A fertilidade do solo teve um papel importante na mudança de composição do grupo, principalmente na REBIO do Uatumã. Observamos neste sítio uma abrupta mudança de composição de espécies associada à fertilidade do solo. Nesta região provavelmente se encontram as manchas de solo mais férteis da região central da Amazônia, derrubando o mito de que na Amazônia Central não existe solos férteis. Eles não só existem como também afetam fortemente a mudança na composição de espécies. Um fato curioso: provavelmente grande parte destas manchas de solo fértil foi alagada após a construção da represa de Balbina, uma grande catástrofe ambiental na Amazônia. Por fim, investiguei o efeito do método de análise empregado em estudos de variação florística. Os principais padrões de variação florística não foram afetados pelo método, o que é muito bom, pois os resultados não aparentam ser um artefato da análise. No entanto, ao adotar um método de ordenação não-linear consegui explicar muito mais variação nos dados comparando com a variação explicada pelos métodos clássicos de ordenação. Isso indica que talvez temos que buscar formas diferentes e não lineares de medir a diferença florística entre dois locais.

ULE - Quais os benefícios de se estudar a variação na composição florística? Fernando Figueiredo - O estudo da variação espacial da composição florística, ou diversidade beta, como é conhecida entre os ecólogos, pode nos trazer informações importantes sobre os processos que atuam nos sistemas ecológicos e, principalmente, pode nos ajudar a definir áreas estratégicas para conservação. Acho que a palavra chave aqui é variação, no sentido de se focar nas diferenças entre os locais (habitats, manchas de florestas, regiões biogeográficas, etc.) e tentar entender o que afeta a magnitude destas diferenças. Pensando em áreas estratégicas para conservação, onde um dos objetivos é tentar maximizar o número de espécies presentes nestas áreas, o estudo das diferenças de composição entre locais pode auxiliar na identificação de áreas que contém conjuntos complementares de espécies, ou seja, que maximizam o número de espécies representadas nestas áreas. Quanto maior as diferenças florísticas entre dois lugares, mais atrativos eles são para conservação. O estudo da variação florística representa também a base para a definição de tipos de vegetação, onde se espera que a variação na composição de espécies dentro do mesmo tipo vegetacional seja menor que a variação entre tipos de vegetação distintos. Na Amazônia, qualquer pessoa pode identificar que uma campina ou uma área de lavrado são bem diferentes em termos de composição de espécies de uma área de floresta de terra firme. Por outro lado, uma pessoa fazendo um sobrevôo sobre a floresta pode imaginar que ela é homogênea. No entanto, quando vamos a campo e coletamos dados percebemos que existe muita variação florística de composição dentro do mesmo tipo vegetacional, que chamamos de terra firme. Parte desta variação está associada com fertilidade do solo, topografia, clima e na Amazônia, devido a sua ampla extensão geográfica, a fatores históricos / biogeográficos.

ULE - Como foi possível desenvolver um projeto de mestrado em 2 anos coletando em uma área geográfica tão extensa? Fernando Figueiredo - A coleta de dados nessa escala ampla em tão pouco tempo só foi possível graças a infra-estrutura já instalada nos sítios de coletas. Quando falo em infra-estrutura, falo em trilhas abertas para acessar os pontos de coleta, parcelas já instaladas, banco de dados de variáveis ambientais existentes, acampamentos, enfim, toda uma infra-estrutura que se dependesse apenas do meu esforço para montar tornaria o projeto inviável. Parte desta estrutura foi montada pelo programa PPBio e parte foi aproveitada de outros projetos desenvolvidos com o mesmo protocolo do PPBio, como foi o caso do sítio do PDBFF e dos sítios da BR-319.

ULE - Como você vê a contribuição do PPBio na Amazônia? Fernando Figueiredo - Muito positiva, principalmente pelo fornecimento da infra-estrutura de acesso e permanência nos sítios de coleta. Acho que o PPBio vem cumprindo bem seu papel de programa de pesquisas, permitindo que vários estudos se desenvolvam em diferentes regiões da Amazônia e que a base de dados acumulada por diferentes estudos seja utilizada. Acredito que num futuro próximo o programa deva investir em alguns aspectos como: na melhoria do acesso e disponibilidade do banco de dados, o que já vem sendo trabalhado pela equipe do PPBio; a abertura de novos sítios buscando um delineamento em grande escala espacial para responder questões biogeográficas; a inclusão de sítios de amostragem em outros ambientes, como várzea, igapó, campina; e por fim a realização de estudos em ambientes com ocupação humana, como RESEX e RDS's, e espécies de interesse econômico, buscando influenciar e direcionar políticas públicas regionais.

ULE - Você acha que o sistema de amostragem que o PPBio adotou (sistema RAPELD) é adequado para estudos em grandes escalas espaciais? Fernando Figueiredo - Acho que o RAPELD tem um bom potencial para estudos em grandes escalas espaciais. O problema de estudos desta natureza é que envolvem amplas extensões geográficas e ainda não temos uma boa cobertura de coleta. No entanto, vários projetos na região vem adotando o sistema RAPELD e acho que ao integrar estes esforços conseguiremos ter uma boa cobertura de coleta na Amazônia brasileira em pouco tempo. Com o RAPELD, é possível adotar tanto as parcelas como unidades amostrais (resolução fina), quanto o próprio transecto (resolução grossa). Pensando em plantas e pequenos organismos, os dados obtidos na resolução fina fornecem uma boa estimativa de variabilidade local. No meu caso essa variabilidade interna afetou o padrão em grande escala, ou seja, observamos um efeito da diversidade beta dentro do sítio afetando o padrão de riqueza entre os sítios. Sem este olhar mais fino não conseguiríamos encontrar este efeito.

ULE - Quais foram as maiores dificuldades que você encontrou? Fernando Figueiredo - Tive dificuldades, no início, na identificação e morfotipagem das espécies, já que nunca havia tido contado com esse grupo antes. Como a maior parte do trabalho de campo foi realizada na estação seca, encontrei pouco material fértil, o que impediu a identificação completa do material botânico. Graças a um treinamento antes de coletar os dados de fato, através de duas disciplinas e a participação de uma excursão na BR-319, entrei em campo mais tranqüilo e seguro.

ULE - Como foi o processo de identificação das plantas? Fernando Figueiredo - Como falei anteriormente, essa foi uma das dificuldades. No entanto, o processo de contagem e morfotipagem de todos os indivíduos dentro da parcela foi um ótimo exercício de aprendizagem de identificação e, no meu caso, o mais importante, de diferenciação das espécies. No decorrer do trabalho percebemos que ainda existem alguns nós taxonômicos por parte de alguns grupos dentro da ordem, além de alguns equívocos de identificação na literatura especializada e no material encontrado no herbário do INPA. Graças à ajuda de dois botânicos, a Dra. Helen Kennedy, canadense especialista em Marantaceae e o holandês Paul Maas, especialistas nas outras famílias da ordem, conseguimos identificar até o nível de espécie pouco mais de 2/3 do material. Este número ainda não é o desejável. Por outro lado, ele traz à tona um aspecto importante, que é a falta de conhecimento taxonômico, ou seja, conhecimento básico, que ainda temos sobre a biodiversidade amazônica. A falta de botânicos especializados na flora amazônica, principalmente profissionais brasileiros, tem contribuído fortemente com este quadro. Outra carência é a ausência de guias de campo, que permitem uma identificação mais rápida das espécies em campo, diminuindo o tempo de certas pesquisas ecológicas. Agora um fato curioso: esperávamos encontrar novas espécies principalmente nas áreas com histórico de pouco esforço de coleta, como nas áreas da BR-319 e no PARNA do Viruá. Encontramos sim uma espécie de Marantaceae provavelmente não descrita na BR-319, mas também ela foi encontrada na Reserva Ducke e na reserva do Cabo Frio, no PDBFF, dois dos sítios com os maiores esforços de coleta na Amazônia Central. Uma surpresa para nós. Ou seja, para alguns grupos é ainda necessário refinar o conhecimento mesmo para aquelas áreas onde pensamos que já estão bem estudadas.

ULE - Qual o papel do ecólogo hoje na produção de guias de identificação de espécies? Fernando Figueiredo - Pelo menos para a nossa região vejo que o ecólogo está tendo um papel central na produção destes guias. É possível observar alguns guias com a participação de botânicos e zoólogos, mas sempre quem encabeça o projeto é um ecólogo. Por exemplo, no guia de Marantaceae, que está para sair, nenhum dos autores tem especialidade em taxonomia ou sistemática. Mas nem por isso é um material sem qualidade, pelo contrário, acho que representa o melhor material bibliográfico do grupo para a região. Mas ainda acho que é necessário investir em taxonomistas com experiência na Amazônia, que em conjunto com os ecólogos, viabilizaria mais rapidamente a produção de conhecimento da biodiversidade amazônica, com uma qualidade ainda maior.

ULE - Quais foram as dificuldades de permanência em Manaus apos o término do mestrado? Fernando Figueiredo - No final do mestrado ninguém consegue pensar em outra coisa a não ser acabar o mestrado! Então você só consegue pensar em outro trabalho quando tudo acaba. Daí é meio loteria, você pode arrumar alguma coisa já no primeiro mês ou pode levar alguns meses, e isso gera uma instabilidade e insegurança financeira que não agrada ninguém. No meu caso, tive uma bolsa do BECA durante o mestrado, paralela a do CNPq, que me permitiu fazer um fundo de reserva que ajudasse a enfrentar este período, porque se fosse depender só da bolsa do mestrado, estaria enrolado. A bolsa mal dá pra pagar os gastos mensais.

ULE - O que poderia ser feito para melhorar as condições de fixação de jovens pesquisadores na Amazônia, principalmente os mestres recém-formados? Fernando Figueiredo - Acho que muitas pessoas gostariam de ficar e trabalhar na Amazônia, mas o que me parece que pesa nesta decisão são os problemas de infra-estrutura da cidade de Manaus (moradia, saúde, transporte, internet e serviços em geral), a distância da família e a falta de um cenário de estabilidade financeira, que se resolve com contratação efetivamente e não com bolsa, pelo menos no valor que é pago. Acho que isso já vem sendo discutido no âmbito do MCT e algumas ações vêm sendo tomadas. Recentemente foi aprovada a criação de 4 novos institutos de pesquisa no Estado do Amazonas. Isso deve aumentar o volume de contratações de pesquisadores num futuro próximo. Espero estar entre eles!

ULE - Torcemos que sim Nando. Muito obrigado pela entrevista e parabéns pelo trabalho.


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Um comentário:

Gabi disse...

é isso aí Nando, parabéns!