4 de agosto de 2010

Franciscanos do século XXI

Por João Vitor Campos e Silva

Ei biólogo, quanto vale vosso serviço? Uma pergunta difícil não? E, no entanto, não deveria ser!

Deveríamos ter na ponta da língua a importância e o valor de nossas atribuições. Tanto o valor econômico quanto o valor técnico, já que se trata de uma profissão propulsora da ciência e que se tornou fundamental para o desenvolvimento desse País!

Acontece que o problema vem de longe e nas curvas do tempo enraizou-se. O polivalente naturalista Alexander Von Humboldt, por exemplo, descobridor de tantas espécies, responsável pela confecção de dezenas de mapas das florestas e rios sul-americanos, ganhador de centenas de prêmios acadêmicos, considerado um dos maiores cientistas pela Sociedade Real inglesa e aclamado por acadêmicos alemães deveria ser bem pago para executar suas fabulosas expedições não é verdade?

Pois saibam que o que financiou sua mega viagem pela América Latina foi a estrondosa herança que recebeu por ser filho de um aristocrata! Assim foi também com Charles Darwin que, provavelmente, só conseguiu sistematizar sua revolucionária teoria por ser membro da burguesia! Isso jamais arranharia sua genialidade, mas nos faz compreender um pouco a situação do biólogo contemporâneo. Somos os sucessores desses antigos devotos da natureza que estruturaram grande parte do conhecimento científico, muitas vezes, à custa de suas fortunas particulares!

Mas e os que não possuíam as estrondosas heranças? Ora... passavam as mesmas dificuldades que passamos hoje enquanto bolsistas! Vejamos o caso de Alfred Russel Wallace. O biólogo britânico passou por ácidos momentos em sua carreira, dependendo as vezes da venda de insetos que coletava para garantir o sagrado pão do dia a dia (se fosse hoje seria preso por biopirataria!).

Em pleno século XXI o cenário é outro obviamente, mas no âmago da situação observamos particularidades muito semelhantes. O curso de Ciências biológicas ainda é um curso bastante elitista onde grande parte dos alunos recebe uma forte ajuda familiar para finalizar os estudos. E os que não possuem uma família abastada, sobrevivem não vendendo insetos, mas se virando!

Lembro-me que quando fazia parte do Centro Acadêmico organizava diversos eventos onde expoentes da Academia brasileira eram convidados para palestrar. Na esmagadora maioria das ocasiões os palestrantes cobravam apenas a passagem e a estadia. Quando indagados sobre essa nobre benevolência, eles disparavam: “Não recebo nada mas posso conhecer lugares e pessoas diferentes”. Ora ora ora... Quantos advogados, engenheiros, médicos ou administradores estão por aí palestrando de graça? Realmente não faz parte de nossa formação o pensamento mercadológico, sequer conseguimos valorar nossas atividades. Frente ao mercado andamos como antigos franciscanos subsistindo com nossa valiosa informação acerca do mundo.

Isso é ruim? Depende!

É muito louvável um conjunto de valores que questionam o atual modelo de desenvolvimento, de consumo e até de felicidade. Mas se quisermos enfrentar o mercado, temos que nos preparar para isso. Os alicerces com essa gama de valores que acreditamos ser essencial para um mundo melhor devem ser mantidos, mas devemos nos munir com algumas “armas” do mundo capitalista também. A questão não é de entrar no jogo sujo do dinheiro, mas sim de luta por uma qualidade de vida melhor!

Devemos investir na divulgação do que somos capazes, na Universidade temos que trabalhar por disciplinas que nos abram a visão para o mercado. A academia deve romper a barreira do preconceito e da prepotência e protagonizar um diálogo com o setor empresarial e governamental. Em todos os setores existem pessoas boas sonhando com um mundo mais justo e mais agradável. Devemos unir forças, já que muitas vezes nossos objetivos têm a mesma diretriz.

O biólogo será mais valorizado quando os muros das universidades e instituições de pesquisas forem transpostos para que a sociedade, em geral, possa reconhecer a importância e a nobreza dessa profissão. Podemos começar assumindo o compromisso de publicar nossas teses e dissertações não apenas em revistas científicas especializadas, mas também em outros veículos de informação populares, para que a dona de casa, o pedreiro ou o gari, também tenham acesso aos nossos mirabolantes resultados.

Tempos atrás me deparei com uma questão que me deixou abismado com nossa classe. Um conhecido me confessou que estava feliz da vida, pois estava bem financeiramente a custa de consultorias, eis que num determinado momento da conversa o segredo de sua ascensão financeira foi revelado: “o negócio é juntar os biólogos e pechinchar... muitos deles trabalham quase de graça, aí o grosso da grana vem pro meu bolso!” Pasmem pessoal!!!! Ele também é um biólogo! Essa falta de cooperação e auto-desvalorização endossa o caldo da amargura enfrentada pelos colegas de profissão desvalorizados. Devemos ser fortes ao negar pseudo-salários provenientes de consultorias sujas! Não devemos aceitar com apatia um salário de 400 reais! Alguns professores de biologia ganham isso!

Realmente se quisermos ver nossa profissão valorizada, devemos, primeiramente, valorizar o profissional que há dentro de nós!



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3 comentários:

Rodrigo de Loyola Dias disse...

É, o tema é delicado. Nós abrimos mão do dinheiro porque temos amor pelo mundo, pela natureza, pela realidade. Muitos não têm. Acredito que é possível mostrar essa beleza para alguns, e a velocidade com que a estamos perdendo (esta é a ideia central no meu projeto www.simnation.info, inclusive estou divulgando procurando quem possa me ajudar a realizá-lo). Não devemos pensar se temos chances de conseguir (até porque não é conseguir vs. não conseguir, e sim quanto conseguiremos, quantas nascentes ainda brotarão num certo intervalo de tempo, etc). Logo, devemos nos perguntar o que podemos fazer de melhor? Abraços!

Gabi disse...

Excelente texto J!
A opção pelo idealismo acima do sucesso financeiro não é uma decisão fácil. É certamente recompensadora, mas somos tentados a todo momento. Afinal não tem nada de errado em se fazer o que ama, viajar, conhecer lugares e ainda sim ser (relativamente bem) remunerado, desde que estejamos fazendo nossa parte bem feita, com dedicação e competência. De certa forma, a situação vem melhorando, pra quem não se lembra, a bolsa de mestrado ficou congelada por 14 anos em R$700. Um problema grave é a falta de contratação de biólogos. Apesar da demanda no quadro de profissionais de instituições federais e estaduais e ONGs, vivemos na base do jeitinho: Bolsas e mais bolsas. Isto não está certo. Ah, gostei da alusão ao franciscanismo... Amém!

Ana L. Tourinho disse...

JB está coberto de razão pessoal,
E não se iludam com o aumento de bolsas, pois bolsas não são exclusivas de biólogos mas de qualquer criatura que trabalhe na academia. Na realidade nosso problema está no cerne da remuneração mesmo. Pois bolsistas de outras áreas que não compartilham nosso pensamento não trabalham de graça, nem pensar!
Temos que negar. Eu comecei a negar no doutorado já, e não me arrependo. Se nós não nos valorizarmos ninguém vai. trabalho com amor, dedicação e honestidade, não mas não foi de graça que agreguei esse conhecimento e qualificação, e nem foi as custas de pouco não. Então temos que ser pagos sim! E bem pagos.
Abraços,
Ana