30 de janeiro de 2009

Entrevista com David Attenborough sobre Darwin e a Bíblia

Para muitas pessoas, a idéia de que toda a vida existente no planeta está intrinsecamente interligada pela descendência comum e pela seleção natural é tão essencial e coerente que pode ser considerada um fato, não uma teoria, que permeia toda nossa compreensão sobre os sistemas naturais, uma luz que une conceitos em ecologia, fisiologia e sistemática. Contudo, uma enquete do Gallup sobre evolução, design inteligente e criacionismo revela que a grande maioria dos entrevistados (44%) acredita que Deus criou o homem, contra meros 14% que acreditam que o homem é uma consequência extraordinária, embora recente, da evolução da vida no planeta. O mais assustador é que o padrão não se alterou em um período de mais de 25 anos (1982-2008).

2009 é um ano muito especial para divulgar e conversar com as pessoas que conhecemos sobre a evolução biológica, pois a teoria da seleção natural fará 150 anos desde a publicação de 'Sobre a Origem das Espécies' em 1859, e seu pai, Charles Darwin, faria 200 anos no dia 12 de fevereiro. Considerando a enquete do Gallup, cujo público era norte-americano, motivos não faltam para exaltarmos entre os nossos compatriotas o que considero a idéia científica mais abrangente e implicativa da história da ciência.

O britânico David Attenborough é um experiente e entusiasmado apresentador de documentários sobre história natural, que há mais de 50 anos ajuda a educar pessoas no mundo todo. Nesse vídeo abaixo, publicado pela Nature, ele expõem seu ponto de vista sobre Darwin, a seleção natural e como a Bíblia tem colocado em perigo o mundo natural. Ele destaca o livro do Gênesis como a causa humana da exploração e da devastação do planeta, e explica que a evolução é extremamente importante, porque coloca o homem como parte indissociável do mundo natural.

Veja o vídeo produzido pela Nature [em inglês, 4'27"].


Eu só discordo de uma coisa do David: o maior organismo do planeta é um fungo (Armillaria ostoyae, que cobre 900 hectares!!!) e não a baleia-azul (Balaenoptera musculus). Essa pode ser o maior animal!

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29 de janeiro de 2009

O Ocidente não deve impor a sua visão do mundo para outras culturas

Por Miguel Ángel Villena [El País, 29/01/09]

Philippe Descola tem esse ar inconfundível dos exploradores de boa vontade que vem para investigar sociedades primitivas, com um espírito de aprendizagem de outras culturas, sem o traje da superioridade. Nascido em Paris em 1949, discípulo do famoso Claude Lévi-Strauss e um dos melhores antropólogos culturais no mundo, vem de uma família hispânica em que seu avô lhe ensinou algo tão fundamental para a vida, como os nomes das flores e das estrelas. Fruto de seu conhecimento em espanhol e do seu amor pela natureza, o jovem antropólogo Descola rumou com apenas 25 anos para a Amazônia equatoriana para estudar uma sociedade de Jivaros que mal havia tido contato com o mundo exterior.

"Conheci uma sociedade muito primitiva", lembra Descola no Instituto Francês de Madri, onde deu uma palestra esta semana. "Só um rapaz falava algumas palavras em espanhol", prosegue, "depois de alguns meses eu aprendi alguma coisa da língua nativa e comecei a perceber que em sua maneira de ver as coisas não há separação entre cultura e natureza. Na verdade, elas não fazem a distinção entre humanos e não humanos porque as plantas e os animais também têm o que poderia ser entendido como alma. Por exemplo, muitos povos amazônicos não tratam as plantas com fins utilitaristas de cultivo ou produção, mas sim as mulheres têm um relacionamento de mãe e filha com as árvores ou as flores, enquanto os homens se relacionam com os animais como se fossem parte da família." Segundo o antropólogo, todas as cosmologias, desde as que abarcam tribos em matas isoladas até as que observamos nas sociedades da China ou da Índia na atualidade, integram cultura e natureza. Todas, exceto o Ocidente. Descola, um verdadeiro especialista sobre este tema sobre o qual publicou vários livros, argumenta que a revolução científica do século XVII na Europa significava o surgimento de invenções como o microscópio ou o telescópio, permitindo que a natureza se transformara em algo autônomo e observável. "Desde então", diz com seu tom didático, "nossa cosmologia tem servido como modelo para compreender as cosmologias de outros povos. No entanto, a nossa não pode ser uma cosmologia padrão e o Ocidente não deve impor a sua visão de mundo a outras culturas."

Sem qualquer exibição de catastrofismo, mas com a firmeza de um cientista, Descola prevê que o planeta está a caminhar para um desastre se não se respeitar a natureza. "Temos que parar com esta louca corrida de atentados contra o ambiente", diz o autor do livro Más allá de la naturaleza y la cultura (Gallimard, 2005), que será publicado em breve na Espanha. Na sua opinião, a consciência ambiental que se desenvolveu nas últimas décadas tem contribuído, sem dúvida, a ressaltar preocupações com questões como a biodiversidade ou o aquecimento global. "No entanto, antropólogo francês qualifica, "a nossa maneira ocidental de conceber a natureza como algo além da sociedade e da cultura continua prevalecendo na mente da maioria das pessoas."

Para Philippe Descola, "temos que defender a diversidade biológica e a diversidade cultural, porque, em última análise, são o mesmo." "Para viver em um mundo onde valha a pena viver", diz ele, "devemos nos surpreender por uma grande diversidade de respostas a vários desafios. Essa aspiração de se deixar surpreender é o que dá sabor à vida e que serve como um antídoto para a uniformidade e a rotina". Quando consultado sobre o que aprendeu com os índios da Amazônia, Descola não hesita: "Que cada dia amanhece para eles com total virgindade".

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23 de janeiro de 2009

Pesquisadores do Inpa levam Richard Rasmussen para conhecer a Reserva Ducke

A pesquisadora Albertina Lima (Inpa), junto com Pedro Ivo Simões e Luciana Erdtmann, alunos de doutorado do instituto, levaram Richard Rasmussen para conhecer a Reserva Ducke (AM). Richard, apresentador do programa Selvagem ao Extremo da Rede Record, é um apaixonado pela natureza e ficou surpreso com a existência de uma reserva tão bem conservada próximo à cidade de Manaus.

Ele se divertiu com várias espécies de animais, como sapos, cobras e aranhas, e apresentou o conteúdo de forma educativa. Richard usou Guia de Sapos da Reserva Ducke para identificar algumas espécies, tendo o privilégio de contar com a presença de Albertina e Luciana, ambas autoras do guia.


O programa foi ao ar no último domingo (18/01/09).

Para conhecer mais guias produzidos pelo PPBio, clique aqui.

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20 de janeiro de 2009

Único fungo bioluminescente da Amazônia ocorre ao longo da rodovia BR-319

Por Ricardo Braga-Neto [Fonte: ULE, União Local de Ecólogos, 20/01/09]

Embora a bioluminescência ocorra em dezenas de espécies de fungos em todo o planeta, poucas pessoas já presenciaram esse fenômeno na natureza. Mesmo quem visita com frequência a floresta não consegue observar facilmente essa intrigante característica de alguns fungos, principalmente porque a intensidade da emissão é fraca e eles são efêmeros e sazonais, dependendo das condições de umidade do ambiente para crescer e se reproduzir. Uma boa estratégia para tentar achá-los é visitar a floresta de noite na lua nova, mas como geralmente se caminha na mata com lanternas acesas, é necessário ficar parado com a lanterna desligada por vários minutos olhando para chão, até que os olhos se acostumem com a escuridão e a luz dos fungos comece a ser reconhecida. Todas emissões de luz em fungos são esverdeadas, mas existe uma variação de quais partes do fungo emitem luz entre as diferentes espécies. O corpo dos fungos é formado basicamente por dois tipos de estruturas: o micélio (responsável pelo forrageio, obtenção de alimento e crescimento) e os corpos de frutificação (os cogumelos, responsáveis pela reprodução sexuada e dispersão dos esporos). A maioria das espécies emitem luz do micélio, mas várias têm o cogumelo bioluminescente; raramente as duas estruturas emitem luz na mesma espécie. 

Aristóteles (384-322 a.C.) fez o primeiro relato sobre madeiras em decomposição que emitiam uma luz tênue, mas o filósofo foi capaz de perceber que essa luz estava viva, ou seja, era produzida por algum organismo. Antigamente, o contato com a natureza permeava mais a humanidade, e muitas culturas diferentes conheciam a bioluminescência dos fungos e até faziam uso dela. Na Micronésia, alguns nativos usavam cogumelos bioluminescentes como ornamentos em rituais, e os esfregavam no rosto para assustar seus inimigos. Algumas espécies que emitem luz em maior intensidade eram usadas na Indonésia para iluminar o caminho na floresta. Na Europa, durante a Idade Média outras espécies eram usadas para sinalizar a localização de guerreiros durante ataques noturnos, pois ao colocar pedaços do fungo bioluminescente no capacete, eles podiam saber onde os companheiros estavam, sem precisar emitir sons, o que poderia denunciar suas intenções.

Mas por que os fungos emitem luz?
Dentre os organismos luminescentes, os fungos são os menos conhecidos: não se sabe muito sobre  o mecanismo das reações químicas associadas, nem o motivo porque ocorre. A bioluminescência em fungos é decorrente de uma reação química que leva à emissão constante de luz na faixa de 520-530 nm e sempre depende da presença de oxigênio para ocorrer. Algumas hipóteses ecológicas foram levantadas para explicar o fenômeno. Desde o início do século XX, existe a idéia de que a emissão de luz pelos fungos poderia ajudar na dispersão de esporos. Em 1981, John Sivinski publicou resultados de um experimento em que avaliou se a bioluminescência de cogumelos e do micélio estaria associada com a atração de artrópodes, que poderiam ajudar na dispersão. Segundo o experimento, mais animais foram capturados em armadilhas com fungos bioluminescentes do que no controle (sem emissão de luz), indicando uma possível relação com a dispersão de esporos. Contudo, apenas os cogumelos produzem esporos e o experimento não explica a atração dos animais pela luz do micélio. Adicionalmente, Sivinski sugeriu que a bioluminescência poderia ter função aposemática, afastando fungívoros noturnos ou, ainda, que a luz poderia atrair predadores dos animais fungívoros, conferindo vantagens para os fungos bioluminescentes. Porém, essas idéias ainda não foram adequadamente testadas e, mesmo que complementares, não têm grandes chances de explicar exclusivamente o porquê da bioluminescência.

Outra linha de raciocínio gerou certo ceticismo entre micólogos apaixonados pelos fungos, mas envolve uma explicação bastante plausível. Todos os fungos que emitem luz são saprófitos (decompõem madeira). Segundo essa hipótese fisiológica, a bioluminescência seria um subproduto de processos metabólicos associados com a decomposição de lignina. Essa substância (um polímero de glicose, como o amido) é a base da madeira, e a emissão de luz pelos fungos poderia estar associada com um efeito anti-oxidante, conferindo alta capacidade para decompor o substrato sem o ônus da intoxicação pelo excesso de oxigênio. Nesse caso, a emissão de luz não teria uma função direta, mas seria uma consequência do processo digestivo. Contudo, as hipóteses não são mutuamente exclusivas e é possível que a bioluminescência tenha surgido como subproduto desse processo metabólico, e depois ter motivado a consolidação de processos ecológicos relacionados com a atração de animais, que podem estar associados com dispersão e/ou predação de fungívoros.

Panorama do conhecimento atual sobre evolução e diversidade 
Em 2008, Dennis Desjardin e colaboradores publicaram uma revisão sobre fungos bioluminescentes, atualizando e expandindo o trabalho de Wassink de 1978 (Luminescence in fungi), que se referia principalmente a espécies asiáticas. Segundo Dennis e os demais autores, são conhecidas 64 espécies de fungos bioluminescentes no planeta, mas só uma na Amazônia (Mycena lacrimans). Isso não se deve ao fato de existir apenas uma espécie, mas porque o conhecimento sobre a diversidade de fungos é muito incipiente na região amazônica. Caboclos e ribeirinhos, acostumados a andar na floresta de noite, já repararam que muitas vezes o chão brilha. O que eles não sabem é que estas espécies relativamente comuns não estão descritas e, portanto, são desconhecidas para a ciência. Nesses 30 anos, a maior parte das novas descobertas de bioluminescência referidas por Desjardin e colaboradores, são referentes ao Brasil, principalmente para a região Sudeste. O Parque Estadual Turístico do Alto da Ribeira (PETAR, SP) é o local com o maior número de espécies de fungos bioluminescentes simpátricas do mundo, no total são 8 espécies conhecidas. A história começou com o biólogo João de Godoy que descobriu que alguns desses fungos eram conhecidos por moradores do parque em uma enorme jabuticabeira. Ele convidou Cassius Stevani (IQ-USP), especialista em bioluminescência, que posteriormente envolveu os micólogos Dennis Desjardin (SFSU, EUA) e Marina Capelari (IBt-SP).

Todos os fungos bioluminescentes são saprófitos e pertencem à família Tricholomataceae sensu Singer. Análises filogenéticas moleculares evidenciaram que essa família é polifilética, sendo representada por algumas linhagens evolutivas diferentes. Os fungos bioluminescentes estão distribuídos em três linhagens (mas possivelmente são quatro), sugerindo que a bioluminescência evoluiu independentemente algumas vezes nos fungos. Aqui vou me ater às três que apresentam resultados consistentes. A linhagem do gênero Omphalotus abriga 12 espécies de fungos cujos cogumelos são bioluminescentes e bastante conspícuos. A segunda linhagem abriga cinco espécies do gênero Armillaria, mas cuja bioluminescência está restrita ao micélio. A emissão de luz pelas espécies de fungos dessas duas linhagens é conhecida há milênios pela humanidade, mas não se conhece nenhuma dessas no Brasil. Contudo, a maioria das espécies de fungos bioluminescentes são tropicais, sendo agrupadas numa terceira linhagem, que abriga 47 espécies, a maioria do gênero Mycena (35 espécies). Muitos desses fungos possuem o micélio e/ou o cogumelo bioluminescente. Atualmente, Dennis Desjardin está estudando a evolução da bioluminescência nessa última linhagem e Cassius Stevani os mecanismos bioquímicos responsáveis pela emissão de luz.

Só existe uma espécie de fungo bioluminescente na Amazônia?
Não, certamente não. Mas o fato é que conhecemos apenas uma espécie: Mycena lacrimans. Ela havia sido descrita por Rolf Singer (1906-1994) na Reserva Ducke, mas como fora coletada durante o dia, não se sabia que seus cogumelos eram bioluminescentes. Em 2005, eu tive a oportunidade de realizar uma expedição para a rodovia BR-319 em uma disciplina da pós-graduação do Inpa e descobri por acaso a ocorrência de cogumelos bioluminescentes ao longo de igarapés em florestas próximas ao km 83. Até então eu não sabia qual espécie era; sua identidade foi revelada pelo Desjardin, taxônomo especialista no grupo.

Mycena lacrimans é a única espécie de fungo bioluminescente conhecida na Amazônia.

Na Amazônia, a presença de rodovias está fortemente associada com desmatamento, perda de biodiversidade e degradação de serviços ambientais. Atualmente, a repavimentação da rodovia BR-319 é foco de grande preocupação de conservação na região, pois a rodovia corta uma imensa área do estado do Amazonas altamente preservada e, sem planejamento adequado, isso poderia catalisar degradação ambiental. Segundo Philip Fearnside e Paulo Maurício Graça, os benefícios econômicos usados para justificar a necessidade do asfaltamento da rodovia são questionáveis, sendo mais indicado transportar produtos por hidrovia, aproveitando o grande potencial natural da região. Infelizmente, o local onde os espécimes de Mycena lacrimans foram coletados já foi desmatado e não se sabe qual o efeito dessa catástrofe sobre a espécie. É certo que unidades de conservação podem reduzir significantemente o desmatamento e a perda de espécies. Duas unidades foram criadas recentemente na região e o MMA está lutando juntamente com a Secretaria de Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (SDS-AM) pela criação e implementação de um mosaico de unidades ao longo da rodovia, com diferentes categorias de uso. Essas unidades tenderão a favorecer a conservação dessa espécie de fungo raro e permitirão que moradores locais e visitantes venham a conhecer pessoalmente sua existência. E quem sabe ajudar a descobrir mais riquezas naturais do Brasil.

Para conhecer mais, visite os links abaixo.

:: Mycena lacrimans, a rare species from Amazonia, is bioluminescent.
:: Fungi bioluminescence revisited.
:: Laboratório de bioluminescência de fungos (IQ-USP).

Créditos das imagens: Rodrigo Baleia (duas primeiras) e Ricardo Braga-Neto (Mycena lacrimans).

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16 de janeiro de 2009

Entrevista com Fernando Figueiredo: como foi seu mestrado em ecologia no Inpa?

Por Ricardo Braga-Neto [Fonte: ULE, União Local de Ecólogos, 16/01/09]

Quem planeja um projeto ambicioso, sabe que inevitavelmente expõe-se a algum risco, pois há pouco tempo para conduzi-lo dado os prazos da pós-graduação vigentes no Brasil. Muitos estudos em ecologia implicam em uma fase de campo intensa, quando o pesquisador tem a chance de coletar informações inéditas sobre algum grupo biológico e/ou área geográfica.

Para os desavisados, o projeto de mestrado de Fernando Figueiredo (foto) poderia parecer ousado demais. Entretanto, a categoria com que desenvolveu seu estudo, na Coordenação de Pesquisas em Ecologia do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), é digna de reconhecimento, sendo um exemplo bastante estimulante para futuros projetos em ecologia na região. Ele foi orientado por Flávia Costa, recém contratada pelo Inpa, e trabalhou com um grupo de plantas herbáceas da ordem Zingiberales, que inclui espécies importantes para a economia local, como o arumã (Ischnosiphon spp.) e as helicônias (Heliconia spp.). Do ponto de vista acadêmico, as plantas herbáceas têm grande aplicação em estudos de impacto ambiental (EIA's) e estudos focados em conservação biológica.

O título de sua dissertação, “Variação Florística e Diversidade de Zingiberales em Florestas da Amazônia Central e Setentrional”, sugere a magnitude da empreitada. Fernando concluiu o mestrado em meados de 2008 e concedeu esta entrevista com um entusiasmo digno de um jovem pesquisador. Para ver a íntegra de sua dissertação de mestrado, clique aqui (arquivo em PDF, 660 KB). Segue a entrevista.

ULE - Nando, você pode falar um pouco sobre seus interesses como pesquisador? Fernando Figueiredo - De maneira geral, pretendo trabalhar com a questão da conservação na Amazônia, mais especificamente com os padrões de distribuição geográfica da biodiversidade. No mestrado, meu tema de pesquisa teve uma abordagem mais teórica que aplicada, mas acredito que terei de estar apto no futuro a transitar no contínuo teórico-prático da pesquisa. Atualmente, tive a oportunidade de trabalhar na criação de um guia de plantas e foi uma experiência enriquecedora. É difícil definir agora um caminho exato. Independente do caminho, ele deve estar pautado não só pela atividade de pesquisa em si, mas também pelas atividades de formação e capacitação de recursos humanos e divulgação do conhecimento. Acho que a divulgação deve ser voltada também para diferentes públicos, governo, setor privado e sociedade civil, e não só para a academia. É isso que eu espero para meu futuro profissional.

ULE - Quais foram os principais resultados encontrados na sua pesquisa? Fernando Figueiredo - O primeiro diz respeito ao padrão de variação de riqueza. Encontrei uma relação positiva entre riqueza de espécies e clima, ou seja, tem mais espécies de Zingiberales onde chove mais e a estação seca é menor. Esse era um padrão já esperado e encontrado também para árvores na Amazônia. No entanto, em alguns sítios o número de espécies é maior que o esperado, isso devido a alta variabilidade de fertilidade do solo presente no sítio. Como foi no caso da REBIO do Uatumã, que apresentou tanto espécies de solo pobre como também as espécies de solo um pouco mais fértil, condição encontrada apenas neste sítio. Temos aqui um caso da diversidade beta local afetando a diversidade alfa regional. No segundo objetivo tentei entender um pouco sobre os fatores que afetam a variação florística, numa resolução fina, ao nível de parcelas. A principal variação na composição de espécies esteve associada com o gradiente climático conjuntamente com o gradiente geográfico, ou seja, da Amazônia Central para a Setentrional. A fertilidade do solo teve um papel importante na mudança de composição do grupo, principalmente na REBIO do Uatumã. Observamos neste sítio uma abrupta mudança de composição de espécies associada à fertilidade do solo. Nesta região provavelmente se encontram as manchas de solo mais férteis da região central da Amazônia, derrubando o mito de que na Amazônia Central não existe solos férteis. Eles não só existem como também afetam fortemente a mudança na composição de espécies. Um fato curioso: provavelmente grande parte destas manchas de solo fértil foi alagada após a construção da represa de Balbina, uma grande catástrofe ambiental na Amazônia. Por fim, investiguei o efeito do método de análise empregado em estudos de variação florística. Os principais padrões de variação florística não foram afetados pelo método, o que é muito bom, pois os resultados não aparentam ser um artefato da análise. No entanto, ao adotar um método de ordenação não-linear consegui explicar muito mais variação nos dados comparando com a variação explicada pelos métodos clássicos de ordenação. Isso indica que talvez temos que buscar formas diferentes e não lineares de medir a diferença florística entre dois locais.

ULE - Quais os benefícios de se estudar a variação na composição florística? Fernando Figueiredo - O estudo da variação espacial da composição florística, ou diversidade beta, como é conhecida entre os ecólogos, pode nos trazer informações importantes sobre os processos que atuam nos sistemas ecológicos e, principalmente, pode nos ajudar a definir áreas estratégicas para conservação. Acho que a palavra chave aqui é variação, no sentido de se focar nas diferenças entre os locais (habitats, manchas de florestas, regiões biogeográficas, etc.) e tentar entender o que afeta a magnitude destas diferenças. Pensando em áreas estratégicas para conservação, onde um dos objetivos é tentar maximizar o número de espécies presentes nestas áreas, o estudo das diferenças de composição entre locais pode auxiliar na identificação de áreas que contém conjuntos complementares de espécies, ou seja, que maximizam o número de espécies representadas nestas áreas. Quanto maior as diferenças florísticas entre dois lugares, mais atrativos eles são para conservação. O estudo da variação florística representa também a base para a definição de tipos de vegetação, onde se espera que a variação na composição de espécies dentro do mesmo tipo vegetacional seja menor que a variação entre tipos de vegetação distintos. Na Amazônia, qualquer pessoa pode identificar que uma campina ou uma área de lavrado são bem diferentes em termos de composição de espécies de uma área de floresta de terra firme. Por outro lado, uma pessoa fazendo um sobrevôo sobre a floresta pode imaginar que ela é homogênea. No entanto, quando vamos a campo e coletamos dados percebemos que existe muita variação florística de composição dentro do mesmo tipo vegetacional, que chamamos de terra firme. Parte desta variação está associada com fertilidade do solo, topografia, clima e na Amazônia, devido a sua ampla extensão geográfica, a fatores históricos / biogeográficos.

ULE - Como foi possível desenvolver um projeto de mestrado em 2 anos coletando em uma área geográfica tão extensa? Fernando Figueiredo - A coleta de dados nessa escala ampla em tão pouco tempo só foi possível graças a infra-estrutura já instalada nos sítios de coletas. Quando falo em infra-estrutura, falo em trilhas abertas para acessar os pontos de coleta, parcelas já instaladas, banco de dados de variáveis ambientais existentes, acampamentos, enfim, toda uma infra-estrutura que se dependesse apenas do meu esforço para montar tornaria o projeto inviável. Parte desta estrutura foi montada pelo programa PPBio e parte foi aproveitada de outros projetos desenvolvidos com o mesmo protocolo do PPBio, como foi o caso do sítio do PDBFF e dos sítios da BR-319.

ULE - Como você vê a contribuição do PPBio na Amazônia? Fernando Figueiredo - Muito positiva, principalmente pelo fornecimento da infra-estrutura de acesso e permanência nos sítios de coleta. Acho que o PPBio vem cumprindo bem seu papel de programa de pesquisas, permitindo que vários estudos se desenvolvam em diferentes regiões da Amazônia e que a base de dados acumulada por diferentes estudos seja utilizada. Acredito que num futuro próximo o programa deva investir em alguns aspectos como: na melhoria do acesso e disponibilidade do banco de dados, o que já vem sendo trabalhado pela equipe do PPBio; a abertura de novos sítios buscando um delineamento em grande escala espacial para responder questões biogeográficas; a inclusão de sítios de amostragem em outros ambientes, como várzea, igapó, campina; e por fim a realização de estudos em ambientes com ocupação humana, como RESEX e RDS's, e espécies de interesse econômico, buscando influenciar e direcionar políticas públicas regionais.

ULE - Você acha que o sistema de amostragem que o PPBio adotou (sistema RAPELD) é adequado para estudos em grandes escalas espaciais? Fernando Figueiredo - Acho que o RAPELD tem um bom potencial para estudos em grandes escalas espaciais. O problema de estudos desta natureza é que envolvem amplas extensões geográficas e ainda não temos uma boa cobertura de coleta. No entanto, vários projetos na região vem adotando o sistema RAPELD e acho que ao integrar estes esforços conseguiremos ter uma boa cobertura de coleta na Amazônia brasileira em pouco tempo. Com o RAPELD, é possível adotar tanto as parcelas como unidades amostrais (resolução fina), quanto o próprio transecto (resolução grossa). Pensando em plantas e pequenos organismos, os dados obtidos na resolução fina fornecem uma boa estimativa de variabilidade local. No meu caso essa variabilidade interna afetou o padrão em grande escala, ou seja, observamos um efeito da diversidade beta dentro do sítio afetando o padrão de riqueza entre os sítios. Sem este olhar mais fino não conseguiríamos encontrar este efeito.

ULE - Quais foram as maiores dificuldades que você encontrou? Fernando Figueiredo - Tive dificuldades, no início, na identificação e morfotipagem das espécies, já que nunca havia tido contado com esse grupo antes. Como a maior parte do trabalho de campo foi realizada na estação seca, encontrei pouco material fértil, o que impediu a identificação completa do material botânico. Graças a um treinamento antes de coletar os dados de fato, através de duas disciplinas e a participação de uma excursão na BR-319, entrei em campo mais tranqüilo e seguro.

ULE - Como foi o processo de identificação das plantas? Fernando Figueiredo - Como falei anteriormente, essa foi uma das dificuldades. No entanto, o processo de contagem e morfotipagem de todos os indivíduos dentro da parcela foi um ótimo exercício de aprendizagem de identificação e, no meu caso, o mais importante, de diferenciação das espécies. No decorrer do trabalho percebemos que ainda existem alguns nós taxonômicos por parte de alguns grupos dentro da ordem, além de alguns equívocos de identificação na literatura especializada e no material encontrado no herbário do INPA. Graças à ajuda de dois botânicos, a Dra. Helen Kennedy, canadense especialista em Marantaceae e o holandês Paul Maas, especialistas nas outras famílias da ordem, conseguimos identificar até o nível de espécie pouco mais de 2/3 do material. Este número ainda não é o desejável. Por outro lado, ele traz à tona um aspecto importante, que é a falta de conhecimento taxonômico, ou seja, conhecimento básico, que ainda temos sobre a biodiversidade amazônica. A falta de botânicos especializados na flora amazônica, principalmente profissionais brasileiros, tem contribuído fortemente com este quadro. Outra carência é a ausência de guias de campo, que permitem uma identificação mais rápida das espécies em campo, diminuindo o tempo de certas pesquisas ecológicas. Agora um fato curioso: esperávamos encontrar novas espécies principalmente nas áreas com histórico de pouco esforço de coleta, como nas áreas da BR-319 e no PARNA do Viruá. Encontramos sim uma espécie de Marantaceae provavelmente não descrita na BR-319, mas também ela foi encontrada na Reserva Ducke e na reserva do Cabo Frio, no PDBFF, dois dos sítios com os maiores esforços de coleta na Amazônia Central. Uma surpresa para nós. Ou seja, para alguns grupos é ainda necessário refinar o conhecimento mesmo para aquelas áreas onde pensamos que já estão bem estudadas.

ULE - Qual o papel do ecólogo hoje na produção de guias de identificação de espécies? Fernando Figueiredo - Pelo menos para a nossa região vejo que o ecólogo está tendo um papel central na produção destes guias. É possível observar alguns guias com a participação de botânicos e zoólogos, mas sempre quem encabeça o projeto é um ecólogo. Por exemplo, no guia de Marantaceae, que está para sair, nenhum dos autores tem especialidade em taxonomia ou sistemática. Mas nem por isso é um material sem qualidade, pelo contrário, acho que representa o melhor material bibliográfico do grupo para a região. Mas ainda acho que é necessário investir em taxonomistas com experiência na Amazônia, que em conjunto com os ecólogos, viabilizaria mais rapidamente a produção de conhecimento da biodiversidade amazônica, com uma qualidade ainda maior.

ULE - Quais foram as dificuldades de permanência em Manaus apos o término do mestrado? Fernando Figueiredo - No final do mestrado ninguém consegue pensar em outra coisa a não ser acabar o mestrado! Então você só consegue pensar em outro trabalho quando tudo acaba. Daí é meio loteria, você pode arrumar alguma coisa já no primeiro mês ou pode levar alguns meses, e isso gera uma instabilidade e insegurança financeira que não agrada ninguém. No meu caso, tive uma bolsa do BECA durante o mestrado, paralela a do CNPq, que me permitiu fazer um fundo de reserva que ajudasse a enfrentar este período, porque se fosse depender só da bolsa do mestrado, estaria enrolado. A bolsa mal dá pra pagar os gastos mensais.

ULE - O que poderia ser feito para melhorar as condições de fixação de jovens pesquisadores na Amazônia, principalmente os mestres recém-formados? Fernando Figueiredo - Acho que muitas pessoas gostariam de ficar e trabalhar na Amazônia, mas o que me parece que pesa nesta decisão são os problemas de infra-estrutura da cidade de Manaus (moradia, saúde, transporte, internet e serviços em geral), a distância da família e a falta de um cenário de estabilidade financeira, que se resolve com contratação efetivamente e não com bolsa, pelo menos no valor que é pago. Acho que isso já vem sendo discutido no âmbito do MCT e algumas ações vêm sendo tomadas. Recentemente foi aprovada a criação de 4 novos institutos de pesquisa no Estado do Amazonas. Isso deve aumentar o volume de contratações de pesquisadores num futuro próximo. Espero estar entre eles!

ULE - Torcemos que sim Nando. Muito obrigado pela entrevista e parabéns pelo trabalho.


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15 de janeiro de 2009

Ecoturismo: entrevista com Helio Hintze (ESALQ) sobre a utilização do prefixo 'eco'

Fonte: [Rádio CBN, 11'20"].

Ouça a entrevista com Helio Hintze sobre "Ecoturismo na cultura de consumo: possibilidade de educação ambiental ou espetáculo?", tema de sua dissertação de mestrado na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ-USP).

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Minc e Mangabeira definem ações para agilizar o PAS

Por Suelene Gusmão [Fonte: MMA, 14/01/09]

Técnicos do Ministério do Meio Ambiente e da Secretaria para Assuntos Estratégicos da Presidência da República estiveram reunidos, para formar o primeiro grupo de trabalho que irá colocar em prática ações do Plano Amazônia Sustentável (PAS). A força-tarefa criada pelos dois órgãos do Governo Federal trabalhará em questões relativas ao extrativismo, às áreas degradadas e à infra-estrutura e meio ambiente já a partir da próxima semana. Lançado em maio de 2008, o PAS tem por objetivo promover um modelo de desenvolvimento para a região amazônica, em bases sustentáveis, valorizando a diversidade sociocultural e a redução das desigualdades regionais.

Continue a ler no site do MMA...

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11 de janeiro de 2009

Navegando e lendo: dôe livros para estimular a leitura na Amazônia

Na Amazônia, diariamente milhares de pessoas fluem pelos leitos dos rios em todas as direções, por muitos motivos e vontades. Como o transporte fluvial é lento e as distâncias são amazônicas, todas compartilham longos períodos a bordo de recreios e expressos. Como navegar é tão preciso quanto inevitável, esse tempo não deveria ser desperdiçado, mas sim usado para divertir, educar e estimular as pessoas. Contudo, o acesso a livros na região é muito restrito e na maior parte das vezes associado a escolas e bibliotecas nas comunidades e cidades. Até pouco tempo atrás isso era fato, mas uma idéia simples e genial vem mudando esse quadro.

O Projeto Navegando e Lendo, idealizado por Jorge Klein, consiste em incorporar pequenas bibliotecas nas embarcações que fazem a maior parte do transporte na Amazônia, através de doações de livros novos e usados. A intenção é difundir o hábito da leitura para os navegantes, facilitando o acesso aos livros e conscientizando a população da importância do ato de ler. Assim, é possível escolher alguns livros para ler durante a viagem e depois devolvê-lo para que outras pessoas possam usufruir e se divertir com a leitura.

O projeto abriga livros sobre muitos temas, voltados para os públicos infantil, juvenil e adulto. Atualmente, o Navegando e Lendo está em expansão e já incorporou livros a mais de uma dezena de embarcações que fazem trajetos a partir de Manaus pelos rios Solimões, Negro, Juruá, Amazonas, levando seus navegantes até cidades distantes como Tabatinga, Parintins, São Gabriel da Cachoeira, Tefé, Cruzeiro do Sul e Carauari.

Para quem está em Manaus e quiser doar alguns livros usados para o projeto, pode deixá-los na loja de conveniência do Posto BR no bairro Vieiralves (endereço: Rua João Valério, 230 – próximo à Av. Djalma Batista). O telefone de contato é :: (92) 8114-4100 [Jorge Klein].

Quem estiver fora de Manaus e também tiver interesse em ajudar, contato pelo email :: jorgeklein@navegandoelendo.com.br.

Para conhecer mais, visite o site :: http://www.navegandoelendo.com.br/.

Parabéns a todos envolvidos pela iniciativa!

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10 de janeiro de 2009

Estimativas de biomassa no arco do desmatamento: madeira menos densa implica em menor emissão de carbono

Por Fábio de Castro [Fonte: Agência FAPESP, 09/01/09]

Calcular a biomassa presente em uma floresta é fundamental para estimar a quantidade de carbono que seria emitida em caso de queimada e, consequentemente, para fazer avaliações ambientais e atribuir valor à floresta em pé. Mas, de acordo com um estudo realizado por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), as equações utilizadas para fazer esses cálculos têm distorcido os dados na região do arco do desmatamento na Floresta Amazônica, superestimando sua biomassa.

Coordenado por Philip Martin Fearnside, o trabalho foi realizado por
Euler Melo Nogueira, Bruce Walker Nelson, Reinaldo Imbrozio Barbosa e Edwin Willem Hermanus Keizer. Os resultados foram publicados em setembro na revista Forest Ecology and Management. O artigo está entre os mais consultados da publicação desde então.

Os resultados mostram que a emissão de gases de efeito estufa proveniente da queima de biomassa florestal na Amazônia é bem inferior ao que se pensava. A estimativa de biomassa é feita com o auxílio de um modelo alométrico: uma equação matemática que relaciona algumas variáveis das árvores, como o diâmetro e a altura, com a biomassa. Mas essas equações, feitas com base nas características da floresta densa, não funcionam bem, segundo Fearnside, quando aplicadas à floresta aberta do arco do desmatamento – que corresponde a um terço da Amazônia e gera
80% das emissões por desmatamento.

As novas equações alométricas criadas pelos pesquisadores, mais adequadas à realidade da floresta aberta, indicam que a floresta emite anualmente 24 milhões de toneladas de carbono a menos do que se imaginava.

Agência FAPESP – O grupo do Inpa coordenado pelo senhor desenvolveu recentemente novas equações alométricas que permitem realizar estimativas mais precisas da biomassa da floresta no arco do desmatamento. O que havia de errado com as equações usadas até agora? Philip Fearnside – O problema dos cálculos feitos até agora é que eles se baseiam na extrapolação de dados obtidos exclusivamente na Amazônia central. Até hoje, todos os dados são das regiões de Manaus, Belém e de áreas de florestas densas perto do rio Amazonas. Mas no arco de desmatamento o que existe é um outro grupo de florestas, a floresta aberta.

Agência FAPESP – Trata-se de que tipo de dados? Fearnside – Dados como a densidade de madeira, forma e altura das árvores. Na falta desses dados, para calcular a biomassa no arco do desmatamento eram usadas equações com base nas áreas da Amazônia central. O inventário brasileiro sobre as emissões de carbono, por exemplo, utilizou equações que foram feitas aqui em Manaus, para florestas densas, e aplicou ao arco do desmatamento.

Agência FAPESP – E essa extrapolação dos dados induzia a erro? Fearnside – Sim, foi uma coisa que descobrimos em pesquisas anteriores: as árvores de lá são mais leves do que as da Amazônia central. A madeira é menos densa e, portanto, tem menos biomassa.

Agência FAPESP – Os cálculos feitos até agora estavam superestimados? Fearnside – Sim. O procedimento normal para as estimativas de biomassa começa ao se medir as árvores grandes de diversas parcelas de floresta. Com a equação alométrica, essas medidas são convertidas em volume de madeira. Para calcular a biomassa, multiplica-se o volume pela densidade. A partir daí se pode calcular a quantidade de carbono da floresta para estimar qual será a quantidade de emissões em caso de desmatamento. Mas, se a madeira é mais leve, com o mesmo volume de madeira temos menos biomassa e menos emissões.

Agência FAPESP – Quando se descobriu que as árvores da floresta aberta são mais leves do que as da Amazônia central? Fearnside – Em pesquisas feitas desde 1997 mostrávamos que as espécies mais leves apareciam com mais frequência no arco do desmatamento. O que descobrimos agora é que as árvores da mesma espécie também são mais leves por lá. Além disso, o teor de água na madeira é maior do que na área de floresta densa. Quando a madeira é mais leve, ela contém mais água. Então, quando se multiplicavam os valores por uma constante, para extrair o peso certo, sempre se usavam dados da área de Manaus. Além disso, observamos que as árvores de diâmetro semelhante nas duas regiões são mais curtas na área de floresta aberta. Tudo isso contribuiu para um grande exagero nas estimativas de biomassa.

Agência FAPESP – Qual foi a magnitude desse exagero? Fearnside – Cada fator desses que mencionei acrescenta uma redução de biomassa e, quando se soma tudo, a diferença é gritante. No caso do desmatamento de 2004, por exemplo, quando houve um pico de desmatamento de 27,4 mil quilômetros quadrados desmatados em um ano, a diferença de cálculo é de 24 milhões de toneladas de carbono. E é preciso lembrar que a parte mais considerável dessa devastação se deu no arco do desmatamento e, portanto, essa diferença se aplica.

Agência FAPESP – Os cálculos feitos até agora, então, estavam completamente errados? Fearnside – Sim, estavam errados. Houve um exagero considerável: 24 milhões de toneladas de carbono em um ano equivalem ao triplo das emissões na cidade de São Paulo. É impressionante. Mas temos que encarar isso como o processo contínuo, normal, do melhoramento dos números da ciência.

Agência FAPESP – A pesquisa conclui que a emissão potencial de carbono é muito menor do que se imaginava. Isso prejudica de alguma forma a argumentação contra o desmatamento? Fearnside – Ao contrário, os argumentos contra o desmatamento se fortalecem, porque os cálculos estão mais corretos. Por acaso, os valores de emissões eram mais baixos do que os previstos. Mas o importante é ter certeza se os dados são ou não confiáveis. O fato de sempre haver muita incerteza é um dos principais argumentos para não dar valor à floresta. O resultado da pesquisa joga a favor da preservação. Não tenho a menor dúvida disso.

Para ler o artigo
Estimates of forest biomass in the Brazilian Amazon: New allometric equations and adjustments to biomass from wood-volume inventories, de Euler Melo Nogueira e outros, clique aqui.

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