26 de abril de 2009

De Humaitá a Manaus: audiências públicas sobre a rodovia BR-319

"Os pioneiros estão indo a pé, carregados de coragem e esperança. E estão transformando a Amazônia: a floresta está sendo vencida, as primeiras colheitas brotam no inferno verde, o ronco das máquinas marca o ritmo da integração nacional. E as estradas avançam: até dezembro, a ligação rodoviária estará completada e o primeiro veículo entrará por terra em Manaus. Qualquer que seja êsse veículo, estaremos nêle. Os pistões, pinos e bronzinas Metal Leve movimentam todos os motores que trabalham para o desenvolvimento nacional."

Transcrito de uma propaganda do início da década de 70, o trecho romantiza uma demanda antiga: a integração nacional da Amazônia através da rodovia BR-319. Entretanto, seu conteúdo transparece um desconhecimento crônico da região, como se o desenvolvimento nacional estivesse atrelado à conquista do inferno verde. Não, a floresta não é um inferno e nem precisa ser vencida para integrar os estados do Amazonas e de Roraima com o restante do Brasil. E nunca seria.

A história da BR-319 evidencia um processo interessante: a rodovia, concluída e liberada ao tráfego em meados de 1973, foi dissolvida pouco tempo depois pelas chuvas e pelo abandono. O asfalto acabou se tornando uma futilidade perecível, pois o fluxo de pessoas e mercadorias seguiu o curso do Rio Madeira, que corre paralelamente pela extensão da rodovia, de Porto Velho a Manaus. Como estradas acabam facilitando o desmatamento e a ocupação desordenada na Amazônia, as melhores consequências do abandono da BR-319 podem ser confirmadas pelas imagens de satélite: a maior parte do entorno da rodovia possui poucos ambientes desmatados.

Contudo, há alguns anos a recuperação da rodovia tem sido o prato principal do ministro Alfredo Nascimento, de quem dizem ter grande apetite pela eleição estadual do Amazonas. Armados com promessas vazias sobre um suposto benefício econômico em transportar mercadorias do Pólo Industrial de Manaus, o defensores da recuperação da BR-319 ignoram alternativas (i.e., ferrovia e hidrovia) e menosprezam os impactos negativos que a recuperação da rodovia poderá trazer ao interflúvio Madeira-Purus. Não existem estudos de viabilidade que justifiquem que os benefícios compensarão os custos, e segundo Marcelo Leite o empreendimento não pode ser justificado economicamente, nem se desconsiderados os custos ambientais.

Audiências públicas para discutir impactos ambientais da BR-319
O Ibama programou uma série de encontros para discutir o Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) das obras da BR-319. Manaus será a última cidade a sediar uma audiência, no dia 28 de abril, às 19h no Studio 5. Vamos participar das discussões dos resultados do EIA/RIMA, pois ainda serão planejados as medidas e programas ambientais para mitigação de possíveis impactos. 

Como contra-ponto da reconstrução da rodovia BR-319, podemos usar uma justificativa funcional bastante sólida, baseada em serviços ambientais e exemplificada pela íntima relação da floresta com as chuvas e pelo carbono contido na biomassa florestal. Por outro lado, sabemos que existem muitas espécies únicas desses ambientes, mas o acesso a esse conhecimento é restrito. Muitas espécies endêmicas ocorrem na área de influência da BR-319, muitas das quais ainda nem descritas. As informações sobre a distribuição e ocorrência das espécies estão muito menos organizadas, e muitas vezes não publicadas. Por isso mesmo é importantíssimo que participemos da audiência. 

Rodovia BR-319, km 220

Eu conheço uma espécie de fungo bioluminescente que ocorre na área e nunca o encontrei em outro local.  As campinas e campinaranas do interflúvio Madeira-Purus abrigam um monte de espécies endêmicas, como uma espécie de gralha (Cyanocorax sp.) encontrada por Mário Cohn-Haft, ornitólogo do Inpa. Segundo análise de Marcelo Augusto dos Santos Jr (o Brasa) e Mário Cohn-Haft (veja aqui), por ter uma distribuição restrita a esses ambientes, a gralha está ameaçada mesmo antes de ter sido descrita pelos cientistas. Com certeza, temos mais cartas na manga. Vejam o que Isabel Reis disse: 

"Galera do geoma 2007, reforçando o recado do Mário Cohn-Haft, o interflúvio Madeira-Purus será cortado pela BR, logo é hora de contribuir para embasar o debate. Como sou Botânica, vou bem puxar a sardinha... No interflúvio Madeira-Purus registramos a ocorrência de uma nova FAMÍLIA botânica para o Brasil, agora temos não só 217 famílias de Angiospermas no Brasil, mas 218!!!!!!!! Será que a obra apresenta estratégias para conservação destas espécies que mal conhecemos, das já descritas e daquelas que ainda nem mesmo foram descobertas...?

Uma família de angiospermas! Incrível, não? Podemos contribuir, compareçam.

Seguem as datas das audiências públicas sobre a BR-319:

22/04 : Humaitá (AM)
23/04 : Porto Velho (RO)
27/04 : Careiro (AM)
28/04 : Manaus (AM) - Studio 5, 19h

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Imagem do inferno verde (sic) por: Sérgio 'Bogão' Marques de Souza

25 de abril de 2009

Tem que publicar!!!

Por Daniel Maurenza

A ciência é importante, é a evolução do conhecimento biológico. Por definição, ciência refere-se a um sistema de adquirir conhecimento baseado em método científico. O processo para alcançar tal conhecimento é o que me fascina e me estimula a ser cientista. O que me preocupa é a ênfase que se dá a tal “publicação cientifica”. Amadurecendo um pouco mais nesta carreira acadêmica, vejo que muitas vezes a idéia central de publicar, a transmissão do conhecimento científico, é deixada para trás, abrindo espaço para o “mercado científico”. Isso mesmo, mercado científico. Artigo está sendo interpretado e incorporado como produto final, capital, de forma que os pesquisadores que mais publicam são mais valorizados para arrecadar dinheiro de órgãos financiadores para produzir mais resultados e assim publicar mais. Não importa como, em que jornal, o que vai escrever, o importante é publicar. Assim como no mercado econômico em que o dinheiro não pode ficar parado, é melhor vender 10 balas por 10 centavos que uma bala por 1 real.

É como uma pirâmide de 3 níveis. No ápice está a instituição de pesquisa, que com toda sua estrutura, direciona esforços para que o segundo nível, pesquisadores, sejam os mais produtíveis possível. Estes muitas vezes não têm a capacidade de coletar tanta informação quanto as suas publicações exigem. Assim, precisam da base da pirâmide, máquinas, trabalhadores, estudantes ou qualquer coisa que o valha. O resultado deste processo é uma publicação, coletado por alguém que muitas vezes não sabe o que esta fazendo, escrito por alguém que não coletou os resultados, para alguém que possivelmente fará mesmo. Quanto mais rápido esse processo ocorre, mais você cresce na carreira acadêmica, melhor é o seu currículo. Assusta-me saber que um pesquisador com alta produtividade e, portanto, muito bem inseridos no mercado científico, é aquele que apresentam grande habilidade em escrever cientificamente correto e não exatamente um excelente pesquisador.

Nós, cientistas, temos que retribuir o investimento que nos foi postado para fazer pesquisa. Adoro escrever o que descobri. Por incrível que pareça, quando tenho um produto final e recebo críticas, fico extremamente satisfeito. A cada comentário aprendo um pouco mais. Devemos divulgar nosso trabalho sim. É dever nosso como cientista transmitir o conhecimento adquirido. Publicação é uma ferramenta importante, poderosa, promove o avanço da ciência. No entanto, me decepciona como nosso meio de comunicação está sendo mal usado, da forma com que o objetivo principal de comunicar o conhecimento científico esta sendo substituído pelo mercado científico. Se o editor “Saci” aceitar este meu manuscrito, vou inseri-lo no meu currículo, quem sabe eu consigo grana da FAPEAM e aumente a minha chance de entrar no doutorado.

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22 de abril de 2009

VI Seminário PDBFF: Mike Hopkins


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20 de abril de 2009

Fungos: muitas espécies, pouco conhecimento e uma enorme importância

Tenho particular apreço pelos fungos, esses magníficos seres vivos, tão onipresentes e esquecidos. São chamados por aí de mofos, bolores, chapéus-de-sapo, cogumelos, orelhas-de-pau, urupês... Eles estão mais para uns bichinhos estranhos, mas por serem lentos, sempre foram tratados juntos com as plantas - seus nomes científicos ainda obedecem ao Código Internacional de Nomenclatura Botânica. Contudo, são muito antigos e únicos, formando um reino inteirinho, bastante subamostrado e desconhecido na Amazônia.

Mas nem tudo é só abandono e solidão. Ano passado, fiz uma breve compilação na plataforma Lattes sobre taxonomia de fungos macroscópicos e percebi uma nítida ascensão de jovens taxonomistas, que vem contribuindo para um crescimento (explosivo) da produção de artigos científicos em taxonomia e sistemática de fungos no Brasil. Mesmo que não estejam vivendo na Amazônia, isso é extraordinário, pois esses taxonomistas serão vitais para estudar a diversidade de fungos em todo o país.

Assim como muitos outros grupos, os fungos tem muitas espécies, algo estimado entre 1,5 e 9,9 milhões, embora se conheça algo em torno de 100.000 espécies. De fato, eles são muito diversos, mas muitas espécies desempenham funções semelhantes nos ecossistemas, formando grupos funcionais, as guildas. Em florestas tropicais, podem ser destacados vários tipos de guildas de fungos, como os decompositores de serrapilheira, endomicorrízicos, saprotróficos de solo, decompositores de madeira, endofíticos, ectomicorrízicos, entomopatogênicos... 

No mestrado, decidi fazer um estudo ecológico sobre um grupo de espécies de fungos de serrapilheira. Eu tinha interesse em saber quais fatores ambientais influenciavam a distribuição das espécies na paisagem e usei os cogumelos como indicativo da presença da espécie no espaço em dois momentos no tempo (estação seca / chuvosa). 

Embora o eminente micólogo alemão Rolf Singer tenha coletado durante alguns anos dentro da Reserva Ducke os mesmos fungos que eu estava interessado, a identificação das espécies e possíveis descrições de novas espécies exige um conhecimento técnico específico, baseado na comparação de características macro e microscópicas com materiais herborizados (secos), com base na consulta de uma literatura vasta e fragmentada. Eu não poderia fazer isso em tempo hábil no mestrado e optei por agrupar em morfoespécies com base apenas no jeitão do fungo e deixei a identificação em banho-maria. 

Na maioria dos casos, os cogumelos são bem diferentes e podem ser reconhecidos. Diferentes cogumelos coletados em locais e momentos diferentes foram agrupados em morfoespécies, esperando que algum interessado identificasse o material e permitisse avaliar se cada morfoespécie representa ou não uma espécie. 

Assim, montei um guia de identificação de fungos de liteira da Reserva Ducke com informações e imagens das morfoespécies. Todo o material coletado foi depositado no herbário INPA e os números de acesso permitem aos interessados solicitar empréstimos de espécimes para identificação (veja o guia no link abaixo).
Depois de alguns anos, eis que surge um interessado disposto a encarar a batalha! Ele é Jair Putzke, um dos micólogos brasileiros mais ativos na última década, autor de alguns livros e grande estimulador da formação de diversos novos talentos nessa área.

Ele não só vai ajudar a identificar e descrever os fungos que encontrei na Reserva Ducke, como devolveu minha motivação para trabalhar com esse grupo tão curioso e importante para o funcionamento das florestas na Amazônia.

Espero que mais jovens estudantes percebam quão estimulante pode ser trabalhar com esses bichinhos tímidos, mas tão presentes em nossas vidas.

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13 de abril de 2009

Toda sexta no final da tarde tem Seminário PDBFF

Desde março, o PDBFF tem articulado palestras com pesquisadores do Inpa e também de visitantes sobre temas acadêmicos e aplicados - os Seminários PDBFF. O evento acontece toda sexta às 17h no Auditório de Biologia Aquática - BADPI (Inpa). 

O primeiro seminário foi sobre "Fragmentação Florestal afeta reprodução de árvores na Amazônia central?", pelo Dr. José Luis Camargo. A sequência seguiu com Dr. Alberto Vicentini ("Integrando filogenias ao entendimento de espécies e de comunidades vegetais"), Dra. Flávia Costa ("Ecologia Vegetal na Amazônia: Desafios e Oportunidades") e Sir. Gillhean Prance ("49 years with the Chrysobalanaceae"), prestigiado por um auditório lotado.

Os Seminários PDBFF vem trazendo um pouco de ar puro ao promover maior contato entre os pesquisadores que atuam na região, incentivando a discussão e o diálogo, um processo essencial para a vitalidade de qualquer instituição de pesquisa. 

Na próxima sexta (17/04/2009), o Dr. Sérgio Borges (FVA) apresentará o quinto seminário: "Geopolítica da Conservação: entendendo o sistema de áreas protegidas na Amazônia Brasileira". Eu não estarei em Manaus, mas quem puder conferir pode usar o espaço do blog da ULE para publicar seu ponto de vista, comentário ou mesmo uma crônica sobre o seminário. Estou à disposição para ajudar.

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