19 de fevereiro de 2009

Lacantunia enigmatica, de onde você veio?

Por Gabriela Zuquim

Os bagres (Siluriformes) são animais interessantes para estudos de evolução pois, são peixes exclusivos de águas doces e, portanto, o parentesco entre espécies atuais em continentes diferentes indicam uma conexão passada, já que o mar é uma barreira intransponível para estes bichos. Os Siluriformes ocorrem em todos os continentes (exceto Antártica) e são muito diversos, atualmente 1 de cada 20 espécies de vertebrados é um Siluriforme.

Recentemente um bagre do sul do México, da região de Chiapas, divisa com a Guatemala, na bacia do Rio Usumacínta, berço de cidades Maias, intrigou cientistas. A espécie foi descrita em 2005 e o nome muito bem escolhido: Lacantunia enigmatica. Lacantunia refere-se ao Rio Lacantún, onde indivíduos usados na descrição foram encontrados. Enigmatica é a parte interessante.

Estudando a filogenia (relação de parentesco entre espécies ou taxa), a espécie aparece relacionada apenas às espécies africanas! Isolada no meio de um clado chamado "BIG AFRICA". Como pode um ancestral ter migrado desde a África até a América sem deixar rastro de fósseis? E porque a espécie só existe em uma pequena região? Essas perguntas estão sem respostas.

Pode, sempre pode, ser um erro do estudo, um tubinho trocado no laboratório, etc. Mas os autores fizeram e refizeram as análises, mudaram os métodos, torturaram os dados e eles não confessaram. Então, vamos pensar que isso aconteceu mesmo, um ancestral africano gerou uma única espécie em um único sistema de rios de água doce no México.

O ancestral pode ter migrado por uma das antigas conexões entre os atuais continentes. É um longo caminho, por conexões de água doce, atravessando a Ásia, entrando na América pela conexão que existiu do Cretáceo ao Mioceno OU via Europa, no Cretáceo ou Paleogeno. Mas como isso pode ter acontecido sem ter deixado nenhum rastro, nenhum fóssil, nada, nenhuma dica! Lapsos no registro fóssil não são surpresas ainda assim, fica uma pulga atrás da orelha.

http://gallery.photo.net/photo/3689183-lg.jpg

Outro evento que pode ter acontecido... Uma águia (ou outro pássaro migrante) atravessou de um continente para o outro com alevinos (filhote de peixe) nos pés... Ou carregou uma concha com os alevinos... ou... Darwin observou algo semelhante em pata de patos (ou de patas), mas não há em ilhas distantes de continentes, como o Hawaii, qualquer evidência de espécies de água doce terem sido trazidas de longas distâncias. Todas espécies de peixes de água doce de ilhas isoladas originaram-se de espécies marinhas.

Enfim... O que realmente aconteceu? Faça sua aposta, escolha a sua hipótese preferida... e vá testar! Assim são os caminhos tortuosos da ciência e da curiosidade humana.

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18 de fevereiro de 2009

Conheça o Parque Nacional do Viruá em Roraima

Por Fabrício Baccaro

O Parque Nacional do Viruá foi criado com o objetivo de preservar os ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica que ocorrem ao sul de Roraima, permitindo também a realização de pesquisas científicas, o desenvolvimento de atividades de educação ambiental e de turismo ecológico. O parque está localizado no município de Caracaraí (RR) e desde 1998 protege mais de 200.000 ha de um tipo de vegetação de transição entre a floresta densa e o cerrado, conhecido como lavrado na região.


O nome do parque vem do igarapé que nasce em seu interior. A área compreende uma vasta superfície praticamente plana, com predomínio de solos arenosos e mal drenados, com grande quantidade de lagoas. Na parte norte existe alguns morros com altitudes modestas, de aproximadamente 300 m. Ao longo da extensão oeste, delimitada pelo Rio Branco, há ocorrência de planícies inundáveis, situação observada também na porção sul, ao longo do Rio Anauá. O clima é quente e úmido na maior parte do ano, mas apresenta uma estação seca entre os meses de setembro a março.

A área do parque abriga espécies características de ambientes alagados, como palmeiras buriti, açaí, jauari e outras como a bacaba e o inajá que ocorrem em áreas de igapó. A fauna apresenta espécies migratórias de aves como o tuiuiú (chamado de passarão no estado de Roraima) e a águia pescadora, aves de ambientes encharcados como a garça-branca e a jaçanã, além de espécies ameaçadas de extinção, como a onça-pintada, a suçuarana e a anta.

Infra-estrutura para turismo ecológico

O Parque Nacional do Viruá conta com dois alojamentos, com capacidade para 30 pessoas instaladas confortavelmente, cozinha equipada, água encanada e energia elétrica proveniente de gerador. O acesso é feito por via fluvial, pelo Rio Branco, e por via terrestre, pela Rodovia BR-174, a 60 km ao Sul de Caracaraí, denominada de Estrada Perdida. O acesso ao Parque é muito fácil, mesmo para quem não tem carro. Para quem sai de Manaus, é só comprar uma passagem de ônibus para Caracaraí e descer na Vila Petrolina. A estrada de terra que dá acesso ao parque é transitável em qualquer época e fica a menos de 10 km da vila.

A melhor época para visitar o parque é durante o período menos chuvoso (abril a agosto) quando as áreas de vegetação aberta ficam mais secas, o que facilita o deslocamento. Como em qualquer Unidade de Conservação a natureza é quem manda, então para aqueles que têm alergias a picadas de insetos e carrapatos é bom levar os medicamentos e estar com as vacinas obrigatórias (febre amarela e tétano) em dia.

Infra-estrutura de pesquisa no Parque

O PN do Viruá abriga um dos sítios permanentes de pesquisas do Programa de Pesquisa em Biodiversidade – PPBio/MCT. O sítio de pesquisa é composto por um sistema de trilhas e acampamento de campo que facilitam o acesso e minimizam os custos de pesquisas ecológicas. 

O sistema de trilhas forma uma grade de 5 por 5 km. Ao longo das trilhas leste-oeste, a cada 1 km, existem parcelas permanentes de 40 x 250 m, onde os pesquisadores coletam informações sobre o ambiente e as espécies. A grade de trilhas, além de servir para deslocamento, pode ser utilizada para pesquisar os animais e plantas que não podem ser amostrados nas parcelas. 

Todas as informações coletadas pelos pesquisadores e pela equipe do PPBio, por exemplo sobre os solos, estrutura da vegetação, altitude e inclinação do terreno, são disponibilizadas no Portal PPBio na internet.

No centro da grade de coleta existe um acampamento de apoio, com capacidade para 15 pessoas, equipado com fogareiro a gás, botija, utensílios completos para cozinha, chuveiro e bomba de água movida a gasolina. O telhado do acampamento funciona como um grande funil que direciona a água da chuva para 3 caixas d’água. A bomba a gasolina só é acionada quando a água da chuva não é suficiente.

Integração com a Comunidade do entorno

A falta de pessoal qualificado é um dos principais desafios da região amazônica, portanto, envolver técnicos, pesquisadores locais e a comunidade do entorno do parque com profissionais de outros núcleos de pesquisas é muito importante. 

Essa filosofia faz parte da conduta do PPBio e do ICMBio no Parque Nacional do Viruá, que dão preferência para contratação de brigadistas, mateiros e auxiliares de campo da comunidade local. A relação entre pesquisadores e moradores do entorno do parque proporciona oportunidades de trabalho, geram renda, formam pessoas e estreitam os vínculos entre o parque, a pesquisa científica e a comunidade.

Assista ao vídeo sobre o PPBio no PN do Viruá

O vídeo abaixo mostra uma pequena parte das pesquisas desenvolvidas no parque. Além de plantas (árvores e ervas), cobras, lagartos e sapos mostrados aqui, muitos outros grupos biológicos já foram estudados, como peixes, formigas, ácaros, vespas, abelhas, macacos, grandes mamíferos e aves. 

Para mais informações sobre as pesquisas desenvolvidas no PN do Viruá, visite o Portal do PPBio.


Contatos do Parque Nacional do Viruá:
  • Antonio Lisboa - lisboa.ibama@gmail.com 
  • Beatriz Ribeiro Lisboa - belisboa@gmail.com
Créditos das imagens:
Mapa Parque Nacional do Viruá - Juliana Schietti
Fota da onça-pintada - Luis Claudio Marigo
Foto das pessoas - Julio do Vale

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16 de fevereiro de 2009

Serpentes peçonhentas: a importância de conhecer os riscos para evitar acidentes

No Brasil, existem mais de 50 espécies de serpentes peçonhentas, conhecidas popularmente como jararacas, cascavéis, corais e surucucus. Em comum, essas cobras apresentam glândulas de veneno desenvolvidas que são acopladas com dentes adaptados a inocular o veneno em outros animais, embora a dentição e a capacidade de inoculação possa variar entre as espécies. A função principal desse aparato é matar presas para alimentação, mas acidentes com pessoas podem acontecer esporadicamente. A chance é muito pequena, mas acidentes podem ocorrer em qualquer lugar, até nas cidades, embora quem viage com frequência para o  campo certamente está mais exposto.

O Dr. Paulo Sérgio Bernarde (Universidade Federal do Acre) compilou em um capítulo informações sobre acidentes ofídicos, que permite conhecer e identificar as espécies de serpentes peçonhentas que ocorrem na Amazônia. O capítulo está disponível abaixo e conta com fotos sobre a maioria das espécies, além de informações básicas sobre primeiros socorros, como evitar os acidentes, os diferentes sintomas de envenenamento e como tratar as vítimas. Ao final, uma extensa lista de referências bibliográficas permite aprofundar-se no assunto. Clique na imagem abaixo para ler o capítulo de Acidentes Ofídicos.


No Inpa, existem casos relativamente recentes de pessoas que foram picadas por jararacas (a espécie mais abundante e responsável pela maioria dos acidentes), sendo muito importante conhecer os grupos de espécies e suas diferenças para saber como proceder para minimizar os danos. Entretanto, obviamente a melhor estratégia é evitar os acidentes, pois as respostas ao veneno variam muito entre as pessoas e nem sempre existirá um hospital por perto. Em todo caso, é muito importante andar calçado com botas ou perneiras e, principalmente, evitar andar sozinho na mata, porque a situação pode complicar.

Muito obrigado ao Paulo pela gentileza de permitir a divulgação desse assunto importante para quem coloca as canelas à prova!

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15 de fevereiro de 2009

Gaudí e a Biologia

O arquiteto é inquestionavelmente um gênio. Mas de onde saiu tanta criatividade?

Por Gabriela Zuquim

Obras geniais da arquitetura ou engenharia podem ser um pouco entediantes aos menos entusiastas dos feitos da humanidade moderna. Eu confesso que fiquei entediada com o entra-e-sai das igrejas da região de Ouro Preto e Mariana... as cidades são lindas, mas o que eu queria mesmo era correr para uma cachoeira. Mas com Gaudí isso não acontece. Em suas obras, começam a surgir, mais ou menos óbvios, elementos da natureza.


Ao longo da história, o ser humano foi pouco a pouco se distanciando de uma vida dependente de paisagem natural. Mas o movimento contrário também acontece e entrar em uma obra de Gaudí remonta a sensação de estar mergulhando em uma floresta, no mar ou em uma savana.

Antoní Gaudí foi um arquiteto catalão que possuía uma linguagem pessoal. No início, suas obras eram góticas, bonitas, mas não foram estas que o consagraram. O que faz Gaudí estar em um blog de biólogos é sua leitura e representação da natureza.

O Templo Expiatório da Sagrada Família é a obra mais famosa. O projeto ainda inacabado não nos deixa dúvidas de que esse homem tinha uma mente ousada. A partir dos 31 anos de idade ele passou a dedicar-se exclusivamente à construção do templo e assim se passaram os seguintes 40 anos, até a sua morte por atropelamento. Nem falta de dinheiro e nem a perspectiva de nunca ver a obra pronta o fizeram menos obcecado. Gaudí gastou tudo o que tinha em um canteiro de obras que acabou tornando-se sua casa quando nem mesmo o aluguel poderia ser custeado. O templo está em construção há 126 anos, mas ainda falta muito para acabar. E então, a natureza... a fachada da paixão lembra uma gigantesca Samaúma (Ceiba petandra), árvore que se destaca nas paisagens de várzeas amazônicas por seu porte e pelas longas sapopemas (projeções do tronco que auxiliam a sustentação de uma árvore de 45 m sobre raízes superficiais e um solo mole). Por dentro da igreja, podemos nos sentir dentro de uma floresta, pois as colunas se ramificam como troncos de árvores. A textura do teto imita o dossel, o teto da floresta formado pelas folhas e ramos das árvores.


Da floresta para o mar, a Casa Batlló. A casa foi reformada por Gaudí entre 1904 e 1906, e é o auge da expressão de sua fase naturalista. Com liberdade total de estilo, muita criatividade alimentada pela diversidade de formas vivas que agradecemos todos os dias a seleção natural, e um bom dinheiro da família Batlló, Gaudí criou o que é, em minha opinião, a mais desconcertante obra. Um sentimento de alegria brota ao entrar, não muito diferente de entrar no mar, num dia de calor. O elemento água está sempre presente. Os exemplos são infindáveis. O olhar dele sobre a natureza e a profunda compreensão do significado que as formas dela têm sobre o ser humano é o toque de gênio que existe devido à sensibilidade de Gaudí.

O Parque Güell, foi construído originalmente para ser um condomínio fechado de milionários, mas não chegou a tal objetivo por falta de dinheiro para a continuidade da obra. Gaudí não era apenas sensitivo e amante das formas da natureza, ele era um pesquisador aficionado pela fauna e flora. Estudando anatomia, entrou em contato com as obras do naturalista alemão Ernst Haeckel. Seus desenhos contribuíram com certo rigor científico nas obras de Gaudí e um enorme nível de detalhamento de formas da natureza. Tudo filtrado pelo olhar de Gaudí e expresso em mosaicos magníficos.


Surpreendente mesmo foi o encontro com uma pomba-gaudí! Uma inegável evidência de que Lamark estava certo (aos desavisados, isso foi apenas uma licença poética!). Moradora fiel e predadora de pipocas Gaudianas, acabou desenvolvendo uma penagem colorida para se camuflar nos mosaicos do seu habitat natural. Se couber um parênteses ao ceticismo de pesquisadora, visitar as obras do Gaudí foi uma experiência espiritual. Há magia em toda parte. E a natureza é o pano de fundo.

Talvez tenham faltado informações básicas sobre a bibliografia do Gaudí. Mas a verdade é que seu legado é atemporal e a expressão do sentimento de busca pelo natural presente em suas obras é universal. Fatos são apenas fatos.

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14 de fevereiro de 2009

As florestas da Amazônia funcionam como fontes ou drenos de carbono?

Por Ricardo Braga-Neto

Em 11/02/09, Luiz Bento do blog Discutindo Ecologia publicou o post “Amazônia NÃO é o "pulmão" do mundo. Ou pode ser?” sobre a premissa da neutralidade na produtividade primária líquida em florestas antigas, levantando a questão de o bioma amazônico funcionar como uma fonte ou dreno de CO2. A argumentação foi baseada em um artigo recente (Luyssaert et al. 2008) que realizou uma meta-análise de centenas de trabalhos publicados, evidenciando que a maioria das florestas antigas do hemisfério Norte apresentou produtividade primária líquida positiva.


A produtividade primária líquida (PPL) é uma medida do funcionamento da floresta, derivada do balanço entre a emissão de carbono pela respiração e a absorção de carbono pela fotossíntese. No nível do ecossistema, se a PPL é positiva, a fixação de carbono é maior que a perda de carbono - a floresta engorda, ou seja, aumenta em biomassa. Por outro lado, a floresta perde peso (emite mais CO2 que absorve) se a PPL for negativa. Embora o número de trabalhos compilados no artigo citado seja elevado (mais de 500), as análises apresentam um forte viés geográfico para florestas boreais (30%) e temperadas (70%), pois os trabalhos referentes a florestas tropicais não foram considerados. Essa limitação foi reconhecida, mas o fato é que existem mais informações disponíveis para alimentar a discussão.

O que se sabe sobre o funcionamento da Amazônia?
O funcionamento das florestas tropicais é muito importante para se quantificar a produtividade primária líquida dos ecossistemas terrestres no planeta, pois elas contribuem com 1/3 do montante total, cerca de 3 vezes mais que as florestas boreais e temperadas. Os cálculos da quantidade de carbono presente em florestas são baseados na conversão de dados de inventários florestais em estimativas de biomassa (a quantidade de carbono é proporcional à metade do peso seco), usando equações alométricas que são obtidas por métodos de regressão a partir de dados empíricos. Quanto mais indivíduos e quanto maiores estes forem, maior é a biomassa presente em uma determinada área. É importante lembrar que essas estimativas são referentes à biomassa acima do solo, pois existem dificuldades práticas de se quantificar a biomassa contida nas raízes. Além disso, embora a densidade da madeira não seja igual para todas as espécies, ainda existem poucos dados sobre as espécies de árvores na Amazônia e em geral as diferenças não são consideradas nos cálculos. Isso pode ter grande implicação sobre as estimativas de estoque e fluxo de carbono, como este trabalho evidencia, mas essa questão não será considerada aqui.

Embora exista uma quantidade de dados razoável para se avaliar a dinâmica das florestas na Amazônia, as estimativas do estoque de carbono variam muito, principalmente devido a diferenças metodológicas na amostragem dos dados, diferenças nas medições de diâmetro (referente ao tamanho do indivíduo), ao tipo de equação alométrica usada e à pequena cobertura espacial, geralmente insuficiente para se obter generalizações de uma determinada área. Esses são os principais problemas que acarretam em incertezas na extrapolação das estimativas locais para regiões maiores, dificultando a compreensão da dinâmica do carbono no bioma amazônico.

Em 2004, Timothy Baker e mais de uma dezena de colaboradores avaliaram a maioria das evidências (até então) relacionadas com a dinâmica da biomassa em florestas neotropicais, concluindo que essas florestas estão absorvendo CO2 consistentemente, em uma ordem de grandeza de 0,61 ± 0,22 MgC/ha ao ano. Essa tendência deve ser encarada como uma hipótese, já que a cobertura espacial dos dados é bastante limitada. Entretanto, nos últimos anos uma crescente quantidade de informações, obtidas em diferentes locais e sob diferentes abordagens, está sendo acumulada na Amazônia, permitindo avaliar com mais segurança a dinâmica de suas florestas. Muitos resultados recentes estão corroborando essa tendência de as florestas amazônicas estarem engordando e absorvendo carbono, mas um trabalho feito na Reserva Ducke merece maior atenção.

Aproveitando o sistema de amostragem instalado na Reserva Ducke pelo PPBio/MCT e pelo PELD/CNPq, Carolina Castilho estudou a variação na biomassa de árvores e palmeiras em função das características do solo e da altitude em 72 parcelas permanentes de 1 ha, distribuídas regularmente em 64 km2 (8 x 8 km). Essa abordagem amostral permite reduzir um dos problemas citados acima (pequena cobertura espacial) e favorece a extrapolação dos resultados para uma área maior, pois os resultados são mais representativos das condições encontradas na Amazônia Central. Mas quais foram os principais resultados desse estudo? A figura ao lado se refere à frequência de distribuição de biomassa de árvores nas 72 parcelas da Ducke. Claramente pode se perceber que existe uma grande variação na biomassa nas parcelas, seguindo uma distribuição normal. Entretanto, um grande diferencial desse estudo está relacionado com o desenho das parcelas, que segue a curva de nível do terreno, minimizando a variação nas características do solo e da altitude em cada unidade amostral e permitindo a comparação adequada da biomassa observada nas 72 parcelas amostradas.

Assim, foi possível testar a influência das características do solo e da altitude (que na Amazônia Central estão fortemente correlacionadas) sobre os estoques de biomassa presente nas árvores e nas palmeiras. Considerando uma medida no tempo, foi possível perceber que as árvores têm maior biomassa em solos argilosos, que estão localizados nas áreas mais elevadas, enquanto que as palmeiras têm maior biomassa em solos arenosos, que estão nas áreas baixas. Depois de 2 anos, novas medidas de diâmetro das árvores e palmeiras foram obtidas e foi possível perbecer que a floresta como um todo está engordando, acumulando biomassa e absorvendo CO2 da atmosfera. Contudo, como a figura ao lado evidencia, esse acúmulo não é homogêneo: as áreas altas (com alto teor de argila, clay em inglês) tem uma taxa de absorção de carbono maior que as áreas baixas (em solos arenosos).

Para onde estão direcionados os esforços na Amazônia brasileira?
Ainda não se sabe porque as florestas amazônicas estão aumentando em biomassa, mas é certo que esse processo têm grandes implicações econômicas, via regulação dos mecanismos de REDD (Redução de Emissões para o Desmatamento e Degradação), que serão discutidos na COP15 em Copenhagem em dezembro de 2009. É possível que a absorção de carbono pelas florestas da Amazônia esteja associada a respostas a distúrbios históricos decorrentes do último período glacial ou ao aumento recente da concentração de CO2 na atmosfera. Porém, a abrangência e efetividade da absorção de CO2 pelas florestas só serão confirmadas através do acúmulo de informações obtidas em parcelas permanentes, com grande cobertura geográfica.

Felizmente, dois programas de pesquisa vinculados ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), são determinantes desse iminente progresso: o PPBio (Programa de Pesquisa em Biodiversidade) e o LBA (Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia). O primeiro é responsável pela replicação do sistema usado na Reserva Ducke em diversos sítios da Amazônia - atualmente já existem medidas do estoque de carbono pelo menos para a Reserva Biológica do Uatumã (AM), Parque Nacional do Viruá (RR) e Estação Ecológica de Maracá (RR) e atividades complementares estão em andamento em outros locais da região amazônica no Pará, Amapá, Acre e Rondônia. O segundo programa do MCT estuda o funcionamento climatológico, biogeoquímico e hidrológico da Amazônia, sendo responsável também por estudos sobre o impacto das mudanças do uso da terra em escala regional e global. A integração entre os resultados desses dois programas promete revolucionar o que sabemos sobre o funcionamento das florestas amazônicas. O mais difícil vai ser transformar esse conhecimento científico em políticas públicas, mas é certo que ele poderá ser um diferencial nas negociações da remuneração pelos serviços ambientais prestados pela maior área contínua de floresta tropical do planeta.
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12 de fevereiro de 2009

Entrevista com Dilma Rousseff sobre as hidrelétricas na Amazônia

Dilma Rousseff é a provável candidata à presidência da República pelo PT em 2010. Atual ministra-chefe da Casa Civil e ex-ministra de Minas e Energia, ela exerce grande influência sobre os caminhos que o governo tem tomado em relação ao meio ambiente. Idealizadora do PAC, a ministra foi a entrevistada do programa Jogo do Poder do jornalista Alon Feuerwerker em 11/02/09

Questionada sobre o potencial hidrelétrico da Amazônia e os custos ambientais das usinas, Dilma defendeu a instalação das hidrelétricas e enfatizou a vantagem estratégica que elas podem trazer ao país. Segundo a ministra, o Brasil tem um baixo aproveitamento do potencial hidrelétrico, sustentando a necessidade de gerar soluções emergentes para evitar excessos do passado (como a UHE Balbina) e do presente (dificuldade para licenciar as obras).

Apesar do benefício das hidrelétricas em comparação com as termoelétricas, o discurso de Dilma Rousseff é bastante enviesado, pois menospreza e pontualiza os impactos ambientais da instalação das usinas nos rios da Amazônia.

Qual sua opinião sobre o posicionamento de Dilma Rousseff?

O que podemos fazer para alimentar o debate de forma construtiva, considerando que o desenvolvimento do país é necessário e inevitável?




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9 de fevereiro de 2009

Guia de Marantáceas da Reserva Ducke e da REBIO Uatumã – Amazônia Central

Novo guia de identificação traz informações sobre biologia, ecologia e evolução de espécies da família Marantácea, que inclui o arumã e várias espécies ornamentais

É inquestionável a importância que o meio ambiente exerce sobre o funcionamento do planeta e a qualidade de vida das pessoas. As florestas amazônicas abrigam uma grande parte dos ecossistemas florestais remanescentes no planeta, representando uma oportunidade única que a humanidade tem para conciliar conservação biológica com desenvolvimento sócio-econômico. Contudo, ao andar na mata, poucas pessoas realmente conseguem enxergar a diversidade presente na Amazônia, principalmente quando se fala em plantas, pois estas possuem diferenças menos nítidas que animais. As árvores chamam atenção por sua imponência, mas a camada rasteira da floresta - o sub-bosque - abriga uma diversidade de espécies, formas e estratégias evolutivas nem sempre óbvias para os visitantes.

Com o intuito de ampliar a percepção da diversidade e de incentivar estudos sobre plantas do sub-bosque, está sendo lançado o
Guia de Marantáceas da Reserva Ducke e da REBIO Uatumã – Amazônia Central, produzido por Flávia R. C. Costa, Fábio Penna Espinelli e Fernando O. G. Figueiredo, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Segundo os autores, “nossa intenção com este livro é tirar as espécies do 'tapete verde' e trazê-las para os olhos de quem quiser vê-las.” O guia trata da família Marantaceae, que inclui espécies herbáceas importantes para a economia amazônica, como o arumã, cujas fibras são utilizadas na confecção de tapetes e cestos artesanais por grupos indígenas, além de várias espécies ornamentais.

A dificuldade que muitos estudantes têm em estudar ciências biológicas geralmente está relacionada com diferenças no vocabulário, que além de extenso é muitas vezes mal explicado. No Brasil, existe pouco material de consulta que sirva como uma introdução sucinta aos diferentes grupos biológicos e, ao mesmo tempo, trate de espécies que podem ser encontradas em ambientes próximos. Assim, muitos estudantes não apreciam a diversidade de vários grupos simplesmente por falta de acesso à informação. Segundo Flávia Costa, muitos de seus alunos não podiam imaginar que existissem tantas espécies de ervas na floresta, mas no momento em que as espécies ganharam nomes e suas características únicas foram destacadas, a floresta passou a ser mais povoada do que nunca.

O guia traz informações gerais sobre as marantáceas que ocorrem na Reserva Ducke e na Reserva Biológica do Uatumã, ambas no Amazonas. Ele conta com uma chave de identificação seguida de descrições cuidadosas sobre 31 espécies ou variedades de marantáceas, além de dicas para o reconhecimento em campo. Todas as plantas foram ilustradas por fotografias tal como as encontramos na natureza e também dos detalhes relevantes à identificação, com ênfase nas flores. 

Um grande diferencial é o esforço dos autores em apresentar as informações em linguagem simplificada, evitando jargões científicos sem, contudo, perder precisão. Como é a reprodução, qual seu papel ecológico, como ocorreu a evolução do grupo, qual sua utilidade para o homem e aspectos relacionados à conservação, são alguns dos temas abordados no guia, permitindo que seja usado como referência em cursos básicos de botânica. Ao final do guia, há um glossário ilustrado por Angela Midori que facilita a compreensão de alguns termos técnicos das estruturas das plantas.

Para dar uma olhada no Guia de Marantáceas, folheie as páginas ou clique no link abaixo.


Para baixar o Guia de Marantáceas em PDF, clique aqui [31,7 MB]. 

Por que produzir guias de campo?
Existem inúmeras razões para justificar a urgente necessidade de se investir na criação de guias de campo, desde a importância econômica dos organismos até a possibilidade de levar ao público o encanto de grupos biológicos fascinantes, estimulando a curiosidade que as pessoas têm sobre a natureza. Contudo, além de atingir um público amplo, guias são importantíssimos para facilitar a identificação das espécies que ocorrem na Amazônia, contribuindo para aumentar a qualidade de trabalhos técnicos (p.ex., Estudos de Impacto Ambiental) e de dissertações e teses de pós-graduação. “Reconhecer os organismos é a primeira etapa de qualquer estudo biológico”, afirmam os autores.

Para manejar a extração de recursos florestais de forma não predatória é necessário entender o funcionamento dos ecossistemas, o que exige um conhecimento básico de quais são as espécies de plantas que ocorrem na região. Os ecossistemas florestais na Amazônia são compostos de milhares de espécies desconhecidas pela ciência: estima-se que existam ainda cerca de 50.000 espécies de plantas para serem descritas na região. Além dessa enorme carência no conhecimento sobre a diversidade botânica, as informações acumuladas não estão disponíveis para a maioria das pessoas, pois estão contidas em trabalhos técnicos distribuídos de forma fragmentada em bibliotecas e herbários.

Segundo Mike Hopkins, pesquisador do Inpa, “enquanto outras partes do mundo contam com guias de campo já há algumas gerações, a Amazônia tem ficado para trás nesse aspecto”. Mike assina o prefácio do livro e tem uma vasta experiência em guias de campo, pois ajudou a coordenar o guia mais importante já feito na Amazônia brasileira, a Flora da Reserva Ducke - Guia da identificação das plantas vasculares de uma floresta de terra-firme na Amazônia Central, que se tornou referência no mundo todo.

O Guia de Marantáceas é o quarto de uma série de guias de campo bilíngües (português e inglês) produzidos com o incentivo do Programa de Pesquisa em Biodiversidade (PPBio/MCT), sob os cuidados gráficos da Áttema Design Editorial. A série foi inaugurada pelo "Guia de Sapos da Reserva Ducke" e teve continuidade com o "Guia de Lagartos da Reserva Ducke" e o recém-lançado "Guia de Samambaias e Licófitas da REBIO Uatumã". Espera-se que os guias sirvam de incentivo para trabalhos de pós-graduação, de iniciação científica e de cursos de campo, assim como estimulem a percepção da biodiversidade amazônica em turistas e alunos de escolas do ensino médio. 

Além de disponíveis para download no Portal PPBio (http://ppbio.inpa.gov.br/Port/guias/), versões impressas desses guias foram ou serão distribuídas gratuitamente para escolas, universidades e bibliotecas em todo Brasil. 

Os autores do Guia de Marantáceas ainda não tem recursos para produzir uma versão impressa e por enquanto o guia estará disponível em formato eletrônico (PDF). 

Não deixe de conferir!

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Por Ricardo Braga-Neto e Gabriela Zuquim [Fonte: ULE, 09/02/09]

5 de fevereiro de 2009

Sem palavras...

Governo federal estuda licenciamento político para obras na Amazônia

http://www.amazonia.org.br/noticias/noticia.cfm?id=299892

Que idéia de girico é essa? Por que não exigir dinheiro suficiente das construtoras para realizar estudos de impacto ambiental mais completos, mais eficientes e mais rápidos? Não seria essa uma posição mais inteligente do que pressionar os órgãos licenciadores a emitir pareceres instantâneos. Como avaliar rapidamente se nem sequer conhecemos os componentes das paisagens sujeitas aos impactos das obras? Ação estratégica necessita visão estratégica. Obra de infraestrutura tem sido a porta de entrada para o fim do patrimônio natural, luta pela terra e concentração de renda. Temos a oportunidade de fazer diferente; para que fazer mais do mesmo? Na boa, não precisava ter ido buscar esse cara em Harvard (?), qualquer amigo da Camargo Correa e afins faria o mesmo (e ainda seria mais fácil de entender seu português).

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1 de fevereiro de 2009

Journal of Threatened Taxa: novo periódico sobre conservação e taxonomia

Com acesso aberto para o público, o periódico visa promover a publicação de artigos sobre táxons ameaçados

O Journal of Threatened Taxa foi criado recentemente com a intenção de promover a conservação biológica através da publicação de artigos sobre táxons ameaçados, oferecendo acesso online a todo seu conteúdo, sem custo nenhum. O periódico tem cobertura mundial, conta com um comitê editorial internacional que está em expansão e pretende ter uma tiragem mensal, com um processamento veloz das submissões, algo em torno de dois meses.

O conceito "ameaçado" é definido pelos editores como um termo geral que inclui não só as espécies e subespécies ameaçadas de extinção incluídas na Lista Vermelha da IUCN, mas também toda uma série de cenários que levaram ou poderão levar os táxons ou ecossistemas a estarem sob ameaça de extinção. Um táxon pode ser ameaçado de várias formas. A falta de conhecimento sobre uma espécie, subespécie ou população é uma ameaça potencial que pode ser justificada devido à deficiência de dados. Qualquer táxon pode estar ameaçado em um local, devido às alterações na dimensão ou na qualidade do habitat, mudanças no uso da terra, atividades sócio-econômicas degradantes, introdução de espécies exóticas, doenças emergentes, falta de planejamento político, deficiência na legislação ambiental, constantes mudanças na taxonomia, aquecimento global - em suma, qualquer fator local, regional e/ou global que podem afetar negativamente os táxons. 

É importante ressaltar que não há restrição taxonômica, permitindo a cobertura de todos os filos, grupos, famílias, ordens, espécies, subespécies, variedades, formas ou populações que estejam ameaçadas de extinção, seja sobre fauna, flora ou fungos.

As categorias de artigos publicados no Journal of Threatened Taxa incluem papers, comunicações, comentários, notas, opiniões e resenhas bibliográficas. 

No site do periódico (http://www.threatenedtaxa.org/) é possível se aprofundar na proposta e considerar a utilização do mesmo para comunicar e discutir a urgência de conservar táxons e processos ecossistêmicos, visando ampliar o conhecimento sobre a biodiversidade no Brasil e a efetividade conjunta do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) e de seus parceiros estaduais.

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O Eco: Do presidente para Roraima, com carinho

Por Aldem Bourscheit e Cristiane Prizibisczki [O Eco, 30/01/09]

A maioria dos jornais estampou esta semana a doação de 6 milhões de hectares federais de Amazônia para Roraima. Também pudera, a área é maior que a Paraíba. Como está claro e foi admitido pelo próprio presidente, trata-se de permuta política pela demarcação contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, com 1,7 milhão de hectares. Na capital Boa Vista, uma carreata comemorou ontem a conquista histórica.

Apesar do decreto publicado nessa quinta (29) excluir unidades de conservação instituídas ou em criação, além de outras áreas, e determinar que as terras transferidas “deverão ser preferencialmente utilizadas em atividades de conservação ambiental e desenvolvimento sustentável, de assentamento, colonização e de regularização fundiária”, movimentos governistas na área ambiental sempre merecem um pouco de atenção. Afinal, Roraima tem agora uma nova porção de Amazônia para usar...

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