23 de setembro de 2009

Lista vermelha das espécies de fungos ameaçadas de extinção... isso existe no Brasil?

A dificuldade de acesso à informação e a falta de integração entre os pesquisadores limitam a capacidade de planejar a conservação de fungos no Brasil
 
Por Ricardo Braga-Neto

Certo dia eu estava sonhando. Andava numa área densa e úmida, pouca luz chegava ao chão da mata em uma manhã tardia. Eu me lembro bem dos fungos, tão discretos e surpreendentes. Brotavam aqui e acolá orelhas-de-pau e cogumelos, alguns conhecidos, a maioria não. Sem avisar, surge uma figura de barba branca... aproximou-se e perguntou se eu sabia o que tinha acontecido com ele. Como se minha resposta o agradasse, se ofereceu para responder uma pergunta. Eu fiquei instigado, embora inseguro, não sabia muito sobre sua vida, apenas que tinha perdido um monte de coisa muito importante na Amazônia. Sorrindo, franziu a testa ao ouvir minha pergunta. E respondeu com simplicidade: "me diga quem é e onde anda que te direi se está ameaçada". Ele era Alfred Russel Wallace. Eu quis saber quantas espécies de fungos estão ameaçadas de extinção. A resposta, embora profética, tem uma implicação fundamental: é preciso conhecer para conservar. Não apenas conhecer o nome de uma espécie, mas onde ela ocorre também é essencial. Os fungos pertencem a um reino próprio (Fungi), assim como os animais e as plantas, mas são menos estudados no mundo todo. O conhecimento sobre a diversidade de fungos no Brasil está distribuído entre dezenas de herbários em vários estados, mas ele ainda é bastante pequeno. Segundo Thomas Lewinsohn e Paulo Inácio Prado, no Brasil existem umas 14 mil espécies de fungos conhecidas, cerca de 7% das 200 mil estimadas. Em outras palavras, não conhecemos 93% da diversidade de fungos no Brasil! E isso é uma responsabilidade enorme para um país que abriga a maior área de floresta tropical contínua no planeta e outros biomas com forte grau de endemismo. O Ministério do Meio Ambiente fornece listas vermelhas de espécies ameaçadas de extinção para a fauna e para a flora, e não para os fungos, embora eles sejam os maiores responsáveis pela ciclagem de nutrientes em ecossistemas terrestres. Em 2007, durante o V Congresso Brasileiro de Micologia (Recife), decidiu-se criar um grupo de conservação de fungos com o intuito de gerar uma lista vermelha segundo os critérios da IUCN (International Union for Conservation of Nature) com fungos do Brasil. Os critérios não foram pensados diretamente para espécies de fungos, mas são aplicáveis a eles, assim como vários países fizeram na Europa recentemente.

O processo da IUCN para avaliar ameaças
Segundo a IUCN, cada táxon (espécie ou subespécie) é avaliado individualmente contra critérios complementares para determinar uma categoria de risco de extinção. Os critérios são baseados principalmente em informações sobre (1) populações e/ou (2) sobre a área de distribuição geográfica. A avaliação depende fortemente da quantidade de informações disponíveis. Se existem dados adequados para avaliar um táxon, as categorias são ranqueadas em função do grau de ameaça a que um táxon está sujeito. A inclusão de um táxon em uma categoria ocorre quando obedece aos requisitos de pelo menos um dos critérios. Creio que os critérios baseados em populações não são apropriados para a maioria dos fungos, pois pressupõe que o número total de indivíduos de cada táxon seja conhecido. Embora seja possível estimar o tamanho da população ou quantificar diretamente indivíduos de fungos, para avaliar a área de distribuição de uma espécie em escalas regionais pouco importa a definição de um indivíduo. Já os critérios baseados na área de distribuição do táxon permitem avaliar o risco de ameaça dos fungos macroscópicos de modo bastante satisfatório. Eles permitem avaliar o risco de extinção de táxons que, por exemplo, tenham sofrido uma redução drástica na sua distribuição geográfica ou que apresentam uma distribuição bastante restrita. Existem alguns detalhes técnicos, mas a base é essa. É mais fácil obter informações sobre a distribuição geográfica de uma espécie e então avaliar se ela está ou não em risco de extinção. 
 
Por que é importante estudar os fungos? Investir em pesquisas sobre biodiversidade de fungos no Brasil é muito oportuno, pois existe um imenso potencial a se explorar, tanto em serviços ambientais (ciclagem de nutrientes e da água) quanto em biotecnologia. É esperado que o aquecimento global cause uma diminuição no regime de chuvas na Amazônia nas próximas décadas, e os fungos serão os primeiros afetados porque dependem da umidade para se alimentar das folhas e troncos. Essa alteração na atividade dos fungos poderá causar uma redução na capacidade da floresta como um todo de absorver carbono, levando a um balanço negativo entre a fotossíntese e a respiração. A inclusão de fungos em uma lista vermelha tenderá a aumentar a priorização de investimentos nessa linha de pesquisa, tão negligenciada e fundamental. Alô pessoal do CNPq! Segura FAPEAM! Embora recentemente a área da micologia tenha incorporado muitos jovens pesquisadores, os centros de pesquisa em micologia em PE, SP, RS, RN e SC estão organizados de forma relativamente independente, o que dificulta a integração dos dados sobre a distribuição geográfica das espécies que ocorrem no país. Consequentemente, a capacidade dos pesquisadores em oferecer uma avaliação das ameaças à sobrevivência das espécies é bastante limitada.

INCT Herbários Virtuais e CRIA
Partimos do pressuposto que quanto melhor conhecermos a distribuição espacial das espécies mais capacidade teremos para planejar a conservação de fungos no Brasil. Muitos herbários no Brasil, como URM, SP, ICN, HCB, INPA, HUEFS, HURG, UFRN, PACA e FLOR mantêm coleções de fungos macroscópicos representativas. Contudo, enquanto as informações não forem curadas adequadamente e disponibilizadas não será possível saber se estamos perdendo parte do nosso acervo biológico de forma permanente. Mapear a área de distribuição das espécies é relativamente simples, mas é necessário que o conhecimento sobre a ocorrência delas exista e esteja disponível para consulta, algo que não acontece no Brasil. A maioria dos herbários que possuem coleções de fungos macroscópicos está em processo de informatização e os dados não estão disponíveis ainda. Recentemente, foi criado um INCT Virtual da Flora e dos Fungos para atuar na curadoria e digitalização de acervos nacionais, pretendendo vincular tudo com o CRIA, formando assim uma rede de herbários virtualmente. O acesso online e o aumento da integração entre as coleções de fungos promete facilitar a obtenção de informações necessárias para compor as análises da IUCN, um importante instrumento para a conservação dos fungos no Brasil. 

Como um exemplo concreto, essas atividades estão chegando a Manaus. No final de setembro, chegarão ao INPA especialistas em fungos poliporóides da UFPE (Tatiana Gibertoni e Allyne Christina Gomes Silva) e da Universidade de Oslo (Leif Ryvarden). Eles vão ministrar uma disciplina da pós-graduação da Botânica e depois trabalhar na coleção de fungos do herbário INPA. Também está prevista a visita  de um colega da UESC (Jadergudson Pereira) especialista em Xylariaceae. Tomara que seja a fagulha que falta para motivar mais alunos a trabalhar com os fungos na Amazônia.

***


Assine nosso Feed ou receba os artigos por email.

21 de setembro de 2009

Marina Silva no Roda Viva - segunda, 21/09

Assista ao programa Roda Viva com a senadora Marina Silva (PV/AC) hoje às 22h10 na TV Cultura.
Ela deverá ser uma forte candidata à presidência da república em 2010.
 
A transmissão vai acontecer ao vivo pela internet a partir das 18:00 e é possível enviar perguntas.

Participam como convidados entrevistadores:
Lourival Sant'Anna, repórter especial do jornal O Estado de S. Paulo
Eleonora de Lucena, editora-executiva do jornal Folha de S. Paulo
Denise Rothenburg, colunista de política do jornal Correio Braziliense
Paulo Moreira Leite, diretor da sucursal em Brasília da revista Época

Twitters no estúdio:
Alexandre de Oliveira Saconi, jornalista (http://twitter.com/Saconi)
Lucia Freitas, jornalista (http://twitter.com/lufreitas)
Davi Rocha, jornalista (http://twitter.com/davirocha)

Fotógrafo convidado:
Victor Bonomi, consultor de segurança da informação (www.flickr.com/vbonomi).

Apresentação: Heródoto Barbeiro



****************
 Marina Silva
Senadora PV/AC

Filha de nordestinos que foram colonizar a Amazônia, Marina Silva nasceu no Acre e desde cedo trabalhou como lavradora. Em Rio Branco, trabalhou como doméstica, se alfabetizou pelo Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização, criado pelo governo federal em 1967, para alfabetização de adultos) e formou-se em história aos 26 anos.

Em 1988 Marina Silva elegeu-se vereadora de Rio Branco, pelo Partido dos Trabalhadores. Em 90 foi deputada estadual e em 95 elegeu-se senadora, sendo reeleita em 2003.

Com a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Marina Silva assumiu o Ministério do Meio Ambiente, onde ficou até maio do ano passado, quando deixou o cargo após atritos com outros integrantes do Governo.

No mês passado ela deixou o Partido dos Trabalhadores, onde permaneceu por quase 30 anos para se filiar ao PV.

Marina Silva é uma ambientalista premiada e reconhecida pela Organização das Nações Unidas.
 


***********


Transmissão ao vivo pela Internet a partir das 18:00.
O Roda Viva é apresentado às segundas a partir das 22h10.

Você pode assistir on-line acessando o site no horário do programa.





Assine nosso Feed ou receba os artigos por email.

17 de setembro de 2009

O etanol de Roraima não é bom para o Brasil

Por Ciro Campos*


A nova usina de etanol da Amazônia não é boa para Roraima nem para o Brasil, e pode comprometer a conquista do selo verde que o etanol brasileiro precisa. A nova usina não ajudaria o Brasil porque tem tudo que o mercado internacional não quer: é uma nova usina, fica na Amazônia, vai gerar desflorestamento e disseminar o impacto da cana em uma das maiores bacias hidrográficas da Amazônia.

É uma nova usina: a nova usina ainda não existe e nem obteve autorização para começar as obras, ao contrário do que foi informado aos ministros Minc e Stephanes em agosto do ano passado. Os canaviais para a produção da usina ainda não foram plantados, e os plantios que existem ainda se destinam apenas à produção de mudas.

É na Amazônia: se for aprovada, a nova usina e os canaviais seriam implantados na maior savana do bioma Amazônia, que fica no estado de Roraima, na região conhecida como Lavrado. Segundo os cientistas e também o IBGE, o Lavrado faz parte do bioma Amazônia, que inclui não só florestas, mas também savanas, campinas, bambuzais, várzeas, etc.

Vai gerar desflorestamento: desflorestamento não significa apenas a derrubada de florestas, mas também a retirada de qualquer vegetação natural, seja floresta ou campo, seja na Amazônia ou em qualquer outra parte do Brasil. Se a usina for aprovada, seus canaviais seriam plantados sobre a vegetação nativa do Lavrado, considerado pelo governo federal como área prioritária para conservação da biodiversidade.

Vai disseminar a cana em nova uma bacia hidrográfica: a nova usina seria implantada às margens do rio Tacutu, formador do rio Branco, principal afluente do rio Negro. A bacia do rio Negro é uma das maiores, mais ricas e mais conservadas da Amazônia. A nova usina, portanto, seria instalada nas cabeceiras da bacia do rio Negro, elevando em muitas vezes o volume de insumos tóxicos aplicados nesta parte da Amazônia, e na vizinhança de terras indígenas. A densa rede de rios localizada nos arredores na nova usina tem pouca água no período seco, que coincide com o período de aplicação dos bilhões de litros de vinhoto e agrotóxicos, potencializando o impacto de uma possível contaminação.

Com essas características, essa nova usina coloca em risco o esforço do governo federal, empenhado em garantir ao mercado internacional que o etanol brasileiro não ameaça a Amazônia, o Pantanal, e não compromete as águas, a biodiversidade e a qualidade de vida dos povos. O custo-benefício se revela inviável, pois ela aumentaria em apenas um por cento a área plantada com cana, mas colocaria em risco o valor de todo o etanol que o país produz. O necessário esforço para reduzir as emissões de carbono não pode resultar em novos problemas ambientais, e não deve justificar a expansão do etanol sobre as savanas amazônicas. As riquezas naturais dessa região, assim como o petróleo do pré-sal, são ativos estratégicos que pertencem ao povo brasileiro e que, portanto, precisam servir ao conjunto da nação, e não apenas a este ou aquele estado da federação.

Existem outros meios para o governo federal ajudar o povo de Roraima a viver com dignidade. Fortalecer a produção rural que já existe e investir em indústrias de beneficiamento aumenta a renda no interior, gera empregos nas cidades e fixa a família na sua terra, para que ela não seja vendida ou arrendada em favor da nova usina. Aproveitar o cenário favorável ao comércio internacional e a vocação natural para o turismo também pode gerar divisas. A copa de 2014 será uma boa oportunidade para firmar o estado como potência sócio-ambiental e abrir as portas para o turismo internacional. A produção de biodiesel a partir do inajá, palmeira nativa que é praga na região, pode ser interessante. O Lavrado de Roraima também é campeão amazônico em potencial de geração de energia a partir do sol e dos ventos, potencial que pode ser aproveitado. Além disso, ainda podemos receber a compensação ambiental pela água, o carbono e a biodiversidade, compensação que não é esmola, mas justo pagamento para quem protege os tesouros da nação.

As iniciativas do governo federal para desenvolver Roraima, como a Zona de Processamento de Exportação, a Área de Livre Comércio, a ligação Brasil-Guiana e a regularização das terras, devem ajudar na criação de um modelo de desenvolvimento realmente novo, com democracia econômica e fundiária, aonde a terra cumpra o seu papel de melhorar a vida do povo e esse povo cumpra o seu papel de contribuir para a grandeza do país. Não é cobrindo a paisagem natural de savanas amazônicas com cana e soja que o estado estará dando sua melhor contribuição ao país. O principal papel de Roraima para a grandeza e o futuro do país é proteger e usar com sabedoria as riquezas naturais que podem fazer do Brasil a potência do século vinte e um. Essa é a maior contribuição que, com muito orgulho, Roraima pode dar ao Brasil.

* Coletivo Ambiental do Lavrado – Roraima. ciro.roraima@yahoo.com.br. (95)9902-9067.


Fonte [Folha de Boa Vista, 17/09/09]


Assine nosso Feed ou receba os artigos por email.

7 de setembro de 2009

Modelagem da distribuição de espécies na Amazônia

Por Gabriela Zuquim, Ricardo Braga Neto (Saci), Ana Catarina C. Jacovak (Catá)

Os esforços para a conservação da Amazônia são grandes, no entanto, ainda maior é a falta de conhecimento sobre vastas áreas deste bioma. De Manaus ou de Brasília e debruçados sobre mapas decisões vão sendo tomadas, mas vastas áreas da Bacia Amazônica o conhecimento sobre as espécies que ali vivem e as densidades em que ocorrem é pouco ou nulo. Em alguns locais, os dados disponíveis se resumem a listas de espécies de alguns grupos biológicos coletados em uma única excursao organizada por uma ONG, Instituto de pesquisas, Universidade ou Secretaria do Governo. Em outros casos, nem esse dado está disponível, e temos que adivinhar o tipo de ambiente e conseqüentemente as espécies que lá ocorrem com base em imagens de satélite. Ou seja, a verdade é que não sabemos o que vive em diversas áreas da Amazonia e dada à extensão do bioma e a dificuldade de acesso à maioria das regiões, dificilmente saberemos. Isto quer dizer que a distribuição espacial de muitas espécies amazônicas continuará pouco conhecida.

Na tentativa de preencher esta lacuna do conhecimento, a abordagem mais utilizada é a da modelagem da distribuição de espécies. Com base nas espécies que ocorrem em uma área, tenta-se prever o que deve ocorrer em áreas desconhecidas adjacentes e com condições ambientais similares. Em um exemplo simplificado podemos citar a Samaumeira (Ceiba petandra), que é uma espécie de árvore que freqüente em florestas de várzea, mas raramente ocorre em florestas de igapó e nunca em terra-firme (a não ser que plantada). Portanto, ainda que não possamos acessar todas as várzeas da Amazônia, é razoável planejarmos o manejo desta espécie enfocando ambientes de várzea.

Para se entender a distribuição das espécies é importante entender e classificar o habitat em que vivem. Classificações grosseiras como igapó, várzea, terra firme, campina etc., são um primeiro passo, porém existe uma grande variedade de ambientes dentro destas categorias que devem ser levados em consideração. Um dos desafios é compreender a heterogeneidade de ambientes que existe debaixo do que vemos como um tapete verde, como as florestas de terra firme.

Na Amazônia, trabalhos sobre modelagens em larga escala são feitos utilizando-se amostragens em campo aliadas às bases de dados disponíveis na internet. Veja abaixo uma compilação de bancos de dados públicos freqüentemente utilizados:

Tipo de informação

Distribuição de espécies
Fonte
Dados de ocorrência de diversos organismos em diversas
regiões do mundo
Dados de ocorrência de diversos organismos com ênfase
no Brasil



Clima

Superfícies climáticas interpoladas para o mundo todo
(resolução de 1km)
Cenários para o futuro do clima no mundo

Reconstruções do paleoclima


Topografia

Modelos de Elevação Digital e variáveis relacionadas
para o mundo todo (resolução de 1km) inclusive usando SRTM


Sensoriamento remoto

Várias bases de dados de cobertura
Imagens da terra e atmosfera usando MODIS
(Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer)
Série histórica de imagens LANDSAT do Brasil


Solos

Tipos de solo no mundo

Com os dados organizados, são gerados mapas através de programas como MAXENT, GARP ou ArcGIS. Os mapas são lindos, e parecem simples de entender. Porém, estes modelos devem ser interpretados com muita cautela. Antes de interpretar o mapa gerado é necessário observar cuidadosamente (e com uma boa dose de criticismo) quais os métodos que foram empregados, como por exemplo, quais as variáveis ambientais incluídas e qual a densidade de amostragem de cada variável (ambiental e biológica). As estatísticas utilizadas atualmente para avaliação da qualidade do modelo (por exemplo, a Área abaixo da curva - AUC) têm recebido muitas críticas, no entanto ainda não há outro método reconhecidamente melhor.

Modelo da porcentagem de probabilidade de ocorrência de Bicho-preguiça (Bradypus variegatus) gerado pelo programa MAXENT (escala logarítmica). As áreas vermelhas indicam o local de maior probabilidade de ocorrência. O mapa foi gerado utilizando-se dados de presença do Bicho-Preguiça (coordenadas geográficas referentes aos locais onde o animal foi observado) em combinação com variáveis ambientais como precipitação, temperatura, tipo de hábitat (ecorregião). O banco de dados está disponível no tutorial do programa (dica: costuma funcionar melhor em Internet Explorer do que em Mozilla Firefox)

As modelagens têm sido utilizadas no mundo todo, e representam um papel central no planejamento de estratégias de uso do solo. A tabela abaixo apresenta alguns trabalhos clássicos que usaram modelagem de distribuição de espécies com diferentes objetivos.

Objetivo do estudo
Referência
Orientar estudos de campo que visam encontrar
populações de espécies conhecidas
Bourg et al. 2005, Guisan et al. 2006


Orientar estudos de campo para acelerar o descobrimento
de novas espécies
Raxworthy et al. 2003


Projetar os potenciais impactos das mudanças climáticas
Iverson and Prasad 1998, Berry et al. 2002,
Hannah et al. 2005;
revisão: Pearson and Dawson 2003
Prever chegada e estabelecimento de espécies invasoras
Higgins et al. 1999, Thuiller et al. 2005;
revisão: Peterson 2003
Explorar mecanismos de especiação
Kozak e Wiens 2006, Graham et al. 2004b
Dar suporte à seleção de reservas e de áreas prioritárias à
conservação
Araújo e Williams 2000, Ferrier et al. 2002,
Leathwick et al. 2005
Entender os impactos de mudanças do uso da terra na
distribuição de espécies
Pearson et al. 2004
Testar teorias ecológicas
Graham et al. 2006, Anderson et al. 2002b
Comparar paleodistribuição e filogeografia
Hugall et al. 2002
Orientar a reintrodução de espécies ameaçadas de extinção
Pearce e Lindenmayer 1998
Acessar os riscos à saúde
Peterson et al. 2006, 2007


A relevância da modelagem de distribuição de espécies na Amazônia é inquestionável. Mas até que ponto os resultados serão levado em conta, é outro passo. Sempre fica aquela dúvida: quem quer ouvir o temos a dizer? São trabalhos que transitam entre o mundo acadêmico e escritórios de Brasília. Ao menos algumas das abordagens sobre modelos para Amazônia têm sido levadas a sério. As modelagens das ameaças a partir do monitoramento do fogo e do desmatamento têm gerado cenários para o futuro da região, os fatores que potencializam tais impactos, como estradas e a eficiência das reservas no combate ao fogo também são considerados durante avaliação do impacto ambiental e social de obras de infra-estrutura. Por outro lado, a modelagem de distribuição de grupos biológicos na Amazônia ainda engatinha, mas progride. Vamos acompanhando e contribuindo para ver onde vai chegar.


Assine nosso Feed ou receba os artigos por email.

3 de setembro de 2009

Problemas com a detecção de plantas hemiparasitas e epífitas


Ervas-de-passarinho, orquídeas, bromélias, e liquens são plantas difíceis de encontrar, mesmo quando as procuramos. Quando comecei meu estudo de doutorado com as ervas-de-passarinho da família Loranthaceae em 2006, notei que teria um sério problema caso não pudesse detectar com perfeição as sementes e plantas aderidas aos galhos dos hospedeiros. O problema torna-se ainda maior quando queremos calcular probabilidades de transição, em que o status de ocupação de uma unidade amostral no ano seguinte depende de seu status no ano anterior. 

Ainda em 2006, resolvi coletar os dados de ocupação dos hospedeiros pelas ervas-de-passarinho em parceria com um ajudante de campo, ambos fazendo observações ao mesmo hospedeiro para reduzir a chance de cometer falhas na detecção. No início de 2007, participei de um workshop intitulado “Análise e manejo de populações animais”, organizado por Gonçalo Ferraz (INPA) e Jerry Penha (UFMT), e ministrado por James Nichols, James Hines e Kenneth Williams, do Patuxent Wildlife Research Center. Apesar de direcionado para os animais, este curso ensinou técnicas com um grande potencial de aplicação no manejo e conservação de populações de plantas com dificuldades de detecção. 

Uma das técnicas baseou-se em amostragens repetidas às mesmas unidades amostrais com o intuito de estimar a ocupação levando em conta a probabilidade de detecção dos organismos. Na verdade, a técnica é apenas um pano de fundo para testar hipóteses ecológicas, que podem ser acessadas através da inclusão de covariáveis em um modelo que contempla tanto a probabilidade de detecção quanto a probabilidade de ocupação. Entretanto, àquela altura, meu objetivo específico era chamar a atenção dos ecólogos que estudam epífitas sobre a importância de utilizar vários observadores para estudos de larga escala espacial e com amostragens repetidas ao longo dos anos. 
 
Em 2008, dois ajudantes e eu amostramos independentemente cerca de 100 hospedeiros em cinco áreas de savana próximas à vila de Alter do Chão, no Pará. Procurávamos por sementes e infecções de uma espécie de erva-de-passarinho do gênero Psittacanthus, que é localmente especializada pelo cajueiro. Após a amostragem, nós tomamos duas medidas que foram utilizadas como covariáveis de detecção: (1) tamanho do hospedeiro e (2) proximidade com outros hospedeiros infectados (0 ou 1). As minhas hipóteses eram: (1) tanto a detecção de sementes de ervas-de-passarinho quanto de infecções estabelecidas seria negativamente afetada pelo tamanho do hospedeiro devido à dificuldade em encontrá-las em hospedeiros maiores; (2) a detecção de sementes e infecções de ervas-de-passarinho seria positivamente afetada pela proximidade com hospedeiros infectados, o que ocorre como um efeito indireto do acúmulo de sementes e infecções próximo a esses hospedeiros.


Sementes de Psittacanthus plagiophyllus (ca. 1 cm) em galho de árvore logo após serem dispersas

Os resultados mostraram que a detecção das sementes da erva-de-passarinho reduziu de 90% em hospedeiros com 2 m de diâmetro de copa para cerca de 50% em hospedeiros com 12 m de diâmetro de copa, mas os intervalos de confiança para as estimativas de detecção foram muito grandes. Para hospedeiros com e sem vizinho próximo, a detecção reduziu 21% em média, e os intervalos de confiança não sobrepuseram. Os resultados não produziram o esperado para as ervas-de-passarinho já estabelecidas, mas a detecção não foi perfeita, ou seja, quando pelo menos um observador encontrava uma erva-de-passarinho, nem sempre os demais também a encontravam.


A conclusão é de que devemos dar atenção aos problemas de detecção de plantas hemiparasitas e epífitas em estudos ecológicos, especialmente quando procuramos por unidades que possuem tamanho muito menor que o tamanho do hospedeiro. Existem cerca de 25.000 espécies de epífitas (incluindo hemiparasitas) em todo o mundo, muitas das quais apresentam estádios de desenvolvimento pouco conspícuos, baixa abundância ou hospedeiros tão volumosos que dificultam sua detecção. Esta técnica já havia sido aplicada para plantas terrestres, mas nunca antes para epífitas. Os interessados em aprender a técnica deveriam ler Mackenzie et al. 2006 para uma introdução sobre o tema, e adquirir os softwares Presence e Mark, que são distribuídos gratuitamente. 

Mackenzie, D.I., Nichols, J.D., Royle, A.J., Pollock, K.H., Bailey, L.L., Hines, J.E. 2006. Occupancy estimation and modeling. Elsevier, San Diego.



Assine nosso Feed ou receba os artigos por email.

Conheça as ervas-de-passarinho

Você já reparou em uma vegetação de coloração diferenciada formando um emaranhado sobre a copa de mangueiras e castanholeiras nos canteiros arborizados de sua cidade? Provavelmente, quando você olhar para este emaranhado, estará observando uma infestação por ervas-de-passarinho. Diferente das lianas e cipós, que se sustentam na terra, as ervas-de-passarinho são plantas hemiparasitas herbáceas ou lenhosas, que obtêm água e sais minerais dos seus hospedeiros através de um sistema de fixação e sucção denominado haustório. 

As ervas-de-passarinho compreendem cerca de 1440 espécies distribuídas em 4 famílias da ordem Santalales, quase metade das 3000 espécies de plantas parasitas existentes. A família Loranthaceae detém o maior número de espécies (900) e a família Viscaceae, com apenas 7 gêneros, possui cerca de 480 espécies. A maioria das Loranthaceae do Novo Mundo possui flores vistosas polinizadas por beija-flores e frutos dispersos por aves das famílias Tyrannidae (bem-te-vis e afins) e Thraupidae (sanhaços e afins); enquanto Viscaceae possui flores pequenas e pálidas, frequentemente polinizadas por insetos, e frutos pequenos dispersos muitas vezes por gaturamos (Euphonia, Chlorophonia).


 
As sementes das ervas-de-passarinho são envolvidas por um visco semelhante a uma goma de mascar, que é responsável pela sua adesão ao galho do hospedeiro após o consumo do fruto pela ave. Esta pode defecar as sementes em forma de colar de contas ou regurgitá-las uma a uma no galho do hospedeiro. Este é um caso clássico onde a dispersão de sementes é direcionada para microsítios com características específicas. O interessante é que, mesmo com a capacidade de germinar em superfícies não vivas como cercas e varais, as sementes das ervas-de-passarinho se estabelecem apenas em hospedeiros compatíveis, processo que é controlado por mecanismos fisiológicos e químicos.

A propósito dessa interação tripla — hospedeiro/parasita/dispersor — ecologicamente, as ervas-de-passarinho possuem um enorme potencial como modelo de estudo em dinâmica de metapopulações e em transmissão de parasitas. Note a analogia entre hospedeiro e manchas de habitat no primeiro caso, e entre dispersor e vetor no segundo. Perguntas interessantes como (1) qual a influência da qualidade da mancha sobre a dinâmica metapopulacional de um organismo? (2) Como a densidade de parasitas, e não de hospedeiros, pode afetar a densidade de vetores? São propícias para serem respondidas utilizando a manipulação experimental da qualidade das manchas e da quantidade de parasitas, respectivamente. 

Do ponto de vista mais aplicado, muitas ervas-de-passarinho são pragas de pomares e culturas agrícolas comerciais. Por exemplo, infestações por indivíduos do gênero Arceuthobium (Viscaceae) causam grande redução na produção de madeira em espécies de Pinus nos Estados Unidos, além de aumentarem a intensidade de incêndios florestais quando apresentam alta densidade. Já em algumas regiões da Austrália e da Nova Zelândia, algumas espécies estão ameaçadas de extinção por conta da alteração do regime de fogo ou pela introdução de herbívoros, o que tornam particularmente importantes ações de conservação.

No Brasil, estudos que utilizam ervas-de-passarinho como modelos de estudo ou mesmo estudos autoecológicos são extremamente escassos. Existem apenas dois trabalhos publicados em revistas internacionais, um deles de autoria do Dr. Rafael Arruda (ex-aluno do INPA) e colaboradores, que investigaram a especificidade por hospedeiro da erva-de-passarinho Struthanthus polyanthus em área de Cerrado do Brasil central. Aproveitando o ensejo, gostaria de deixar uma sugestão para os interessados em montar um projeto de doutorado. Existem milhares de manchas de savana na Amazônia, variações na distribuição de hospedeiros, de espécies de dispersores, e de ervas-de-passarinho. Seria muito legal investigar as variações das interações entre ervas-de-passarinho, dispersores e hospedeiros numa perspectiva de mosaicos coevolutivos (Thompson 1994). Entretanto, não existem sequer boas informações coletadas sobre os hospedeiros parasitados pelas ervas-de-passarinho no herbário do INPA, ou em qualquer outro herbário brasileiro. Alguém se dispõe a realizar tal empreitada?







Assine nosso Feed ou receba os artigos por email.