12 de agosto de 2009

Reflexões sobre o texto “Carefull with that axe Eugene” de Flávia Costa

Link para o texto original [“Carefull with that axe Eugene” de Flávia Costa].


Reflexões sobre o texto “Carefull with that axe Eugene” de Flávia Costa

Por Anselmo Nogueira*

Em minha opinião a questão dos “machados” envolve educação, uma educação progressista1 das formas de lidar com as opiniões alheias. Os ‘machados’ que estão na nossa forma de falar também estão na forma de ouvir, e portando, estão no pensamento e na forma que sentimos o mundo a nossa volta. Mas como lidar com isso em tempos de “imediatismo”, de “individualismo” e de “materialismo”?

O imediatismo atinge essa questão de forma direta porque nos seduz com promessas de mudanças rápidas dos comportamentos individuais. Eu não acredito nisso quando estamos tratando da educação íntima do ser. O individualismo na minha perspectiva poderia ser definido como um vício, neste caso poderia ser o vício da utilização dos machados. Se naturalmente estamos “programados” para tentar sobreviver frente a um animal selvagem (medo de onças), o excesso desse mecanismo poderia produzir respostas “automáticas” contra as opiniões alheias (uma das variações do medo a seres humanos), que buscaria excessivamente a sobrevivência de idéias próprias. O materialismo cria uma perspectiva concreta do mundo às vezes anexada, culturalmente, com o adjetivo “científico”, que refuta todas as idéias espiritualistas. No entanto, muitas das idéias imersas nas doutrinas espiritualistas não estão diretamente ligadas ao sagrado ou ao místico (temas também interessantes), e sim com a reflexão sobre a existência do ser, das emoções e da coletividade2, que poderiam ser úteis num ambiente com excesso de machados afiados.

Dessa forma, quando olhamos o problema em uma escala muito ampla - da humanidade – com tendências atuais imediatistas, individualistas e materialistas, tudo foge as nossas mãos e mudar a realidade parece muito difícil, mas pode não ser assim quando voltamos os olhos para nós mesmos.

O que defendo é a necessidade de educarmo-nos nas relações, e isso necessariamente passa pela educação íntima de como lidamos com nossas emoções. Em outras palavras, se queremos renovar nossas atitudes e formas de pensar/sentir o mundo, será necessário gastar energia e tempo neste caminho. A descoberta de novas formas de lidar com as opiniões alheias3 exigirá dedicação em tipos de leitura-atividade alternativas ao cotidiano, para que possamos aprofundar a percepção sobre nós mesmos e renovar nossa sensibilidade frente ao outro. Além disso, com algum esforço, em desacordo com nossa sombra, podemos refletir sobre as experiências diárias agradáveis e desagradáveis, e o porquê delas nos parecerem assim. As opiniões alheias conflitantes com o nosso mundo íntimo, ou seja, aquilo que me incomoda, não incomoda a todos. Essa reflexão nos leva a descobrir que as experiências ‘incômodas’ revelam muito da nossa intimidade, mais do que qualquer outra coisa. Se o que me incomoda (o mesmo vale para o que me agrada) conta muito da minha realidade e realmente acredito nisso, muitas possibilidades de aprendizado passam a existir diariamente das experiências desagradáveis que antes só falavam de um mundo externo a mim.

Resumindo, alguns psicólogos do nosso tempo dizem que a doença do século agora é não sabermos mais nomear o que sentimos4; se eles estiverem certos, estamos ficando um bocado ‘doentes’, e esse esforço em descobrir nosso mundo íntimo pode nos ajudar. Os conflitos/discussões relacionais em todos os níveis da sociedade são inevitáveis assim como as dores e as decepções individuais. Partindo desses pré-supostos, torna-se prudente gastarmos algum tempo com nossa educação íntima, uma reflexão sobre o que sentimos e como sentimos nossas experiências, o que poderá ajudar bastante na construção conjunta (entre humanos) de qualquer objetivo em família, em trabalho e em todos os agrupamentos que fizermos parte. Focando nossas observações em como eu lido com o meu mundo íntimo passamos a aliviar o outro nos julgamentos, silenciando mais (também os pensamentos), e favorecendo como resultado a busca e o aprendizado dos que estão a nossa volta. Dado que estamos sempre ‘em processo’ e ‘em um tempo’, distintos entre humanos, olhar mais o outro que a si mesmo somente perpetua por mais tempo nosso desencontro com nossa realidade. Essa percepção, de deixarmos uns aos outros a vontade em seu tempo e modo, para alguns pode parecer individualista, mas pelo contrário, representa uma tentativa-esforço progressista da construção de relações, comunidades e instituições mais cooperativas.

Se o que fazemos e todas as motivações que nos levam a fazê-lo na ciência estão em contato direto com o nosso mundo íntimo mais ou menos consciente, então esse tema torna-se relevante também nas discussões de como dialogar, tomar decisões, fazer acordos e trabalhos em qualquer tema dentro da ciência.

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*Agradeço a todos os amigos pelo Brasil afora pelas experiências comuns e aprendizados, principalmente minha ex-chefa Flávia, autora do texto Carefull with that axe Eugeneque mais uma vez (indiretamente agora) me estimulou a refletir sobre meus pontos de vista frente ao mundo e a ciência. Além disso, um agradecimento especial para a querida amiga Debora Drucker que deu sugestões nesta reflexão.

1 Educação progressista discutida por Paulo Freire em a ‘Pedagogia da Esperança’ (e provavelmente em outras obras do mesmo autor). Progressista-inclusiva porque visa à transformação constante das idéias baseada na experiência, e considera a visão parcial de realidade, e não imparcial, do educador. O educador progressista (e cientista) ensina e defende o que acredita, sem omitir outras possibilidades de interpretação da realidade.

2 Para quem gosta de Raul Seixas (“Toca Raullll!!!!”) e também de sua música Guita, vale a pena conhecer a obra “Bhadava Guita” ou “A Canção Sublime”, livro sagrado para os indus (e inspiração também para Raul), um exemplo de livro espiritualista dentre muitos (de muitas origens), que traz elementos de reflexão sobre o comportamento humano, obra escrita dois mil anos antes do surgimento da cultura judaica-cristã.

3 Alguns autores têm discutido o conceito de alteridade, relacionado intimamente com essa discussão: “Alteridade, uma palavra nova para designar um outro modo de se relacionar com a diversidade de pessoas e idéias que fazem parte do cotidiano de todos nós. Não se trata de uma fórmula mágica que traga, por si só, a paz e a concórdia para a sociedade, mas um renovado parâmetro relacional que exigirá certo esforço de quem o adota, pois uma atitude alteritária não importa aceitar tudo sem senso crítico, mas a possibilidade de discordar sem confrontar ou inviabilizar o diálogo” (diversos autores, Alteridade: a diferença que soma, Editora Inede, 2005).

4 Psicólogos (não me lembro o nome) discutiram recentemente essa questão no canal Cultura de São Paulo no programa Café Filosófico - provavelmente disponível no site da TV cultura caso alguém se interesse.


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