3 de setembro de 2009

Conheça as ervas-de-passarinho

Você já reparou em uma vegetação de coloração diferenciada formando um emaranhado sobre a copa de mangueiras e castanholeiras nos canteiros arborizados de sua cidade? Provavelmente, quando você olhar para este emaranhado, estará observando uma infestação por ervas-de-passarinho. Diferente das lianas e cipós, que se sustentam na terra, as ervas-de-passarinho são plantas hemiparasitas herbáceas ou lenhosas, que obtêm água e sais minerais dos seus hospedeiros através de um sistema de fixação e sucção denominado haustório. 

As ervas-de-passarinho compreendem cerca de 1440 espécies distribuídas em 4 famílias da ordem Santalales, quase metade das 3000 espécies de plantas parasitas existentes. A família Loranthaceae detém o maior número de espécies (900) e a família Viscaceae, com apenas 7 gêneros, possui cerca de 480 espécies. A maioria das Loranthaceae do Novo Mundo possui flores vistosas polinizadas por beija-flores e frutos dispersos por aves das famílias Tyrannidae (bem-te-vis e afins) e Thraupidae (sanhaços e afins); enquanto Viscaceae possui flores pequenas e pálidas, frequentemente polinizadas por insetos, e frutos pequenos dispersos muitas vezes por gaturamos (Euphonia, Chlorophonia).


 
As sementes das ervas-de-passarinho são envolvidas por um visco semelhante a uma goma de mascar, que é responsável pela sua adesão ao galho do hospedeiro após o consumo do fruto pela ave. Esta pode defecar as sementes em forma de colar de contas ou regurgitá-las uma a uma no galho do hospedeiro. Este é um caso clássico onde a dispersão de sementes é direcionada para microsítios com características específicas. O interessante é que, mesmo com a capacidade de germinar em superfícies não vivas como cercas e varais, as sementes das ervas-de-passarinho se estabelecem apenas em hospedeiros compatíveis, processo que é controlado por mecanismos fisiológicos e químicos.

A propósito dessa interação tripla — hospedeiro/parasita/dispersor — ecologicamente, as ervas-de-passarinho possuem um enorme potencial como modelo de estudo em dinâmica de metapopulações e em transmissão de parasitas. Note a analogia entre hospedeiro e manchas de habitat no primeiro caso, e entre dispersor e vetor no segundo. Perguntas interessantes como (1) qual a influência da qualidade da mancha sobre a dinâmica metapopulacional de um organismo? (2) Como a densidade de parasitas, e não de hospedeiros, pode afetar a densidade de vetores? São propícias para serem respondidas utilizando a manipulação experimental da qualidade das manchas e da quantidade de parasitas, respectivamente. 

Do ponto de vista mais aplicado, muitas ervas-de-passarinho são pragas de pomares e culturas agrícolas comerciais. Por exemplo, infestações por indivíduos do gênero Arceuthobium (Viscaceae) causam grande redução na produção de madeira em espécies de Pinus nos Estados Unidos, além de aumentarem a intensidade de incêndios florestais quando apresentam alta densidade. Já em algumas regiões da Austrália e da Nova Zelândia, algumas espécies estão ameaçadas de extinção por conta da alteração do regime de fogo ou pela introdução de herbívoros, o que tornam particularmente importantes ações de conservação.

No Brasil, estudos que utilizam ervas-de-passarinho como modelos de estudo ou mesmo estudos autoecológicos são extremamente escassos. Existem apenas dois trabalhos publicados em revistas internacionais, um deles de autoria do Dr. Rafael Arruda (ex-aluno do INPA) e colaboradores, que investigaram a especificidade por hospedeiro da erva-de-passarinho Struthanthus polyanthus em área de Cerrado do Brasil central. Aproveitando o ensejo, gostaria de deixar uma sugestão para os interessados em montar um projeto de doutorado. Existem milhares de manchas de savana na Amazônia, variações na distribuição de hospedeiros, de espécies de dispersores, e de ervas-de-passarinho. Seria muito legal investigar as variações das interações entre ervas-de-passarinho, dispersores e hospedeiros numa perspectiva de mosaicos coevolutivos (Thompson 1994). Entretanto, não existem sequer boas informações coletadas sobre os hospedeiros parasitados pelas ervas-de-passarinho no herbário do INPA, ou em qualquer outro herbário brasileiro. Alguém se dispõe a realizar tal empreitada?







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