11 de dezembro de 2009

Impune até quando?

Essa é uma história de invasão de terra, desmatamento ilegal, destruição de patrimônio e ameaça de morte. Não é sobre a irmã Dorothy e não passa no Pará. Passa aqui perto, no município de Iranduba, onde tenho um sítio, com uma vista linda do rio Negro. Na verdade, o sítio é meu e de três sócios, também colegas de trabalho. Compramos há uns doze anos, principalmente porque continha uma área muito bonita de floresta primária. Nos dedicamos a proteger a floresta lá, mas não adiantou.

Por Mario Cohn-Haft

Na noite da sexta-feira passada, a casa do sítio queimou até o chão. Foi incendiada propositalmente por uns quatro homens que chegaram se perguntando em voz alta, “A gente mata ele ou só bota fogo na casa?” Foi isso que o caseiro ouviu por volta das 22 horas, logo antes de fugir pelos fundos. Ele só não estava dormindo naquele horário porque tinha recebido mais cedo um recado através de um parente dele: “Saia da casa se quiser continuar vivo”. Quando não tinha mais jeito, acabou seguindo o conselho.


Assim, então, foi a etapa mais recente do conflito que se acirrou ao longo dos últimos meses. Aqui em Manaus estamos acostumados, calejados até, a ouvir falar sobre a invasão de terras, principalmente de mata virgem. Sabemos, inclusive, que é o método preferido de expansão urbana, pois é barato e certeiro. Aproveita da imagem de gente pobre sem terra, acontece rapidamente e depois não tem como recuperar a floresta perdida, e oferece a candidatos políticos popularidade em anos eleitorais através da legalização retroativa. É uma indústria, tacitamente aceita e até encorajada por governos locais—já faz parte do planejamento do desenvolvimento.

No caso do nosso sítio, o terreno vizinho, também coberto por floresta primária, parece pertencer a um ex-prefeito da região. Esse, segundo fontes locais, teria prometido loteá-lo em centenas de terrenos menores. Apesar de disputas sobre a verdadeira posse dessa propriedade, colocou-se um administrador chamado “Pingelão”, um cara temido pelo povo local, para tocar a distribuição e ocupação do loteamento, denominado “Residencial Portelinha”. A partir daí começou o desmatamento e, eventualmente, a invasão e o desmatamento de grandes partes do nosso sítio.

Mas antes disso, já houve conflitos. A principal indústria no município de Iranduba são as olarias—fábricas de tijolos e telhas de barro. É uma indústria de exploração de recursos naturais: o barro que compõe o solo da região é cavado, preparado, e assado em fornos a lenha, também extraída das matas ao redor. Na ausência de um sistema de plantio de espécies próprias para lenha, o desmatamento resultante já afetou a região quase toda, nossa área sendo uma das poucas ainda a ter mata alta e bonita. Foi justamente isso que nos atraiu para o local, onde já foi catalogada uma biodiversidade maravilhosa, inclusive espécies de sapo e macaco novas para a ciência. Sempre tivemos que proteger o terreno contra a extração ocasional de madeira.

Naturalmente, a chegada do asfalto e da luz elétrica ao ramal de acesso, há vários anos, aumentaram a pressão em cima da florestinha. E também trouxeram facilidades, inclusive para a nossa capacidade de vigiar. Mas no último ano, talvez devido ao começo da construção da ponte sobre o rio Negro e a perspectiva do outro lado do rio se tornar uma continuação da área urbana de Manaus, acelerou notavelmente a venda e invasão de terras por lá.

O loteamento da Portelinha, que parece não ter nenhum tipo de autorização ambiental, já desmatou sua área toda e começou a invadir o nosso terreno, derrubando floresta primária e pondo fogo. Tivemos que iniciar uma série de denúncias em todas as instâncias possíveis, que até hoje não resultaram em nenhuma resposta legal. Enquanto isso, tivemos que remarcar repetidamente os limites de nossa propriedade e que remover construções feitas dentro dela. O incêndio da nossa casa parece ser uma resposta direta e pessoal à nossa insistência em manter o que é nosso.

A casa não fica perto da área invadida, não há outra ocupação ou desmatamento próximo, e o fogo não originou em outro local. No meio de uma área isolada e particular, uma casa queimou até o chão em poucas horas. Não tenha dúvida de que foi proposital. Foi anunciado. E também foi ameaçado e debatido assassinar o caseiro.

Incêndio doloso é crime sério. Mas desmatar, invadir terra particular e ameaçar vida humana também são. Quando começará a haver investigação, condenação e punição? Quem executa o crime já é criminoso. Quem está por trás é bandido. Enquanto estes elementos são tolerados agindo em prol do desenvolvimento regional, onde está a tal “governança” que nos foi garantida para mudar o curso da história para um desenvolvimento ecológico e sustentável? Se não há controle no quintal da capital, devemos acreditar na governança nos mega-projetos do interior? Essa é a Manaus, o Amazonas, social e ambientalmente corretos que estamos correndo para mostrar ao mundo em 2014?

07 dezembro 2009

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3 comentários:

Anônimo disse...

A impunidade corre solta por todos os lados... não precisamos sair de casa e nem ir para Iranduba. Este ataque no sitio foi criminoso e o sentimento que fica é que tudo acabará em "panetone", a nova moda de nossos impunes governantes. Este ataque é revoltante e deprimente... pobre florestinha e pobre animais que ali viviam.

Saci disse...

Criminosos incendeiam sítio de pesquisadores do Inpa no AM

Iberê Thenório Do Globo Amazônia, em São Paulo

Saci disse...

Veja a matéria 'Desmatamento antecipado' de Vandré Fonseca no site de O Eco.