10 de fevereiro de 2011

Clima, biodiversidade e uma perspectiva mais ampla

O clima tornou-se tão dominante no discurso sobre a política ambiental que pode parecer que é a única questão que importa. Contudo, o papel positivo da conservação da biodiversidade pode ajudar a dinamizar as ações públicas.

Por Tim Hirsch (RSA Comment, 9 fevereiro 2011)*


Pergunte a um cidadão mediano, bem informado para nomear a ameaça ambiental mais importante vigente para as sociedades humanas e é bem provável que ele diga que é a alteração climática. De fato, é comum que as pessoas usem o termo mudança climática e meio ambiente de forma intercambiável.

Já em 2005, o Millennium Ecosystem Assessment concluiu que as mudanças climáticas eram apenas um dos cinco principais fatores responsáveis pelas ameaças aos benefícios que derivam dos serviços ecossistêmicos ao planeta. Estes serviços incluem solos férteis, a purificação do ar e da água e proteção contra catástrofes como inundações e tempestades.

Enquanto o clima tende a se tornar um assunto cada vez mais dominante, a degradação que os ecossistemas testemunharam até agora resultou em grande parte de outros processos: perda e fragmentação de habitat, superexploração (especialmente o excesso de pesca), poluição e introdução de espécies exóticas invasoras.

O Terceiro Panorama da Biodiversidade Global (GBO3), publicado no ano passado, concluiu que todos esses processos eram constantes ou iam aumentar de intensidade, resultando na incapacidade de cumprir a meta de 2010 de obter significativa desaceleração da perda de biodiversidade. As consequências para o bem-estar foram enunciadas nitidamente nessa publicação, especialmente o aumento do risco de ultrapassar vários pontos de ruptura que, catastroficamente, podem reduzir a capacidade dos ecossistemas para atender às necessidades humanas.

Estas incluem a secagem rápida da floresta Amazônica, afetando lavouras de chuvas em toda a América do Sul e agravando o aquecimento global; o colapso dos recifes de corais, afetando a vida de cerca de meio bilhão de pessoas; e a "morte" de lagos devido ao acúmulo de nutrientes como fósforo e nitrogênio.

Enquanto isso possa soar como ainda mais desgraçada e triste, uma mensagem positiva se esconde dentro do GBO3 e outros relatórios recentes que enxergaram "além da mudança climática": alguns dos piores impactos das mudanças climáticas não parecem tão inevitáveis assim se nós reconhecermos toda a gama de pressões sobre os ecossistemas e coordenar uma ação agressiva para lidar com todos eles.

Proteger os ecossistemas irá tanto retirar mais carbono da atmosfera (atenuando a escala das mudanças climáticas), quanto prezar que ecossistemas mais diversificados e resilientes sejam mais capazes de se adaptar e lidar com as mudanças climáticas, já que é tarde demais para se impedir.

O exemplo mais óbvio do primeiro benefício é o valor de se evitar o desmatamento tropical, que é estimado entre 15% e 20% das emissões globais de gases de efeito estufa. No entanto, muitos outros tipos de ecossistemas desempenham um papel essencial na manutenção da retirada de carbono da atmosfera. Por exemplo, um relatório do Programa Ambiental da ONU em 2009, estima que as formações costeiras como manguezais, restingas e equivalentes capturam "carbono azul" equivalente a quase metade das emissões anuais do setor de transporte global. Essas formações também são críticas como berçários para muitas espécies pesqueiras comercialmente importantes (todos estão a desaparecer rapidamente, devido a várias formas de desenvolvimento costeiro).

A necessidade de uma abordagem coordenada é ainda mais convincente quando a biodiversidade é vista como uma espécie de apólice de seguro contra as mudanças climáticas. Independentemente de quão agressivamente nós combatamos as emissões de combustíveis fósseis, estaremos quase que certamente comprometidos com décadas de aquecimento a partir do que já foi bombeado para a atmosfera. Então, precisamos ser fatalistas sobre os impactos?

Talvez não, se reconhecermos a importância dos ecossistemas resilientes em tempos difíceis. Pegue os recifes de coral: podemos estar atrasados demais para evitar o "branqueamento" significativo proveniente do aquecimento das águas do mar e dos danos decorrentes da acidificação do oceano, resultado de maiores concentrações de dióxido de carbono na atmosfera. Contudo, se pudermos facilitar outras pressões que atacam os recifes (a sobrepesca, a poluição, deposição de sedimentos vindos da erosão do solo e assim por diante), nós podemos dar-lhes uma possibilidade de luta de sobrevivência.

Na Amazônia, as alterações climáticas são apenas parte de uma tempestade perfeita que pode empurrar o sistema além dos limites. De acordo com um estudo recente do Banco Mundial, esforços realmente sérios para reduzir o desmatamento, recuperar áreas que foram perdidas ou degradadas, e reduzir drasticamente a utilização de fogo, podem impedir o colapso do maior sistema de floresta tropical do mundo.

Este padrão pode ser visto repetidamente em uma gama de sistemas em todo o planeta, da desertificação no Sahel na África até a destruição de ecossistemas costeiros causada pelo aumento no nível do mar e pelos danos das tempestades. Focando nas múltiplas ameaças que enfrentamos, poderia dar-nos tempo até que as soluções de baixo carbono comecem a fazer a diferença na velocidade das mudanças climáticas.

A biodiversidade pode também tornar as sociedades humanas mais resistentes às mudanças climáticas . A diversidade genética de plantas selvagens e domesticadas, e também de criações, nos fornece opções para lidar com coisas como a seca e as doenças emergentes, que estarão mais propensas a atacar se permitirmos que as paisagens e os sistemas agrícolas se tornem cada vez mais uniformes e homogeneizados.

Precisamos de uma abordagem às mudanças climáticas que veja o panorama mais amplo, ao invés de usar a visão estreita focada na energia, que tende a levar a distorções e resultados perversos. Um dos exemplos mais claros tem sido o alvo para impulsionar a utilização de biocombustíveis que estimulam o desmatamento de florestas tropicais asiáticas para crescer monoculturas de dendê. Isso é desastroso para a biodiversidade e é, em última análise, auto-destrutivo para o clima, pois as emissões da perda de florestas e turfeiras podem superar quaisquer benefícios de um menor uso de petróleo em veículos.

O mesmo pode ser verdade para algumas grandes barragens construídas para a energia hidrelétrica renovável. Além da biodiversidade de água doce sob maior ameaça (com declínio mais rápido do que qualquer outro tipo), as hidrelétricas podem acabar tão prejudiciais ao clima quanto os combustíveis fósseis, devido às emissões de metano e ao desmatamento associado.

Existe aqui uma mensagem clara para o público e tomadores de decisão que possa avançar o debate sem causar mais confusão e desamparo?

Tomar medidas para salvaguardar a biodiversidade pode levar a resultados em nível local que são muito mais tangíveis para as pessoas do que fazer a sua parte para reduzir as mudanças climáticas. A restauração da vida selvagem em um lago local, o retorno de flores selvagens e borboletas em um parque urbano, são tipos de eventos que podem levar a melhorias na qualidade de vida e que podem ser vistas aqui e agora, não através de uma promessa ou imaginação do futuro.

A mensagem é que a conservação, o uso sustentável e a restauração da biodiversidade não são apenas agradáveis para seu próprio bem, mas representam um investimento essencial para a infra-estrutura natural que irá ajudar a sustentar comunidades e meios de subsistência resilientes nas próximas décadas. Envolver o público nesta visão mais ampla pode ajudar a contrapor o fatalismo que tende a tornar a luta contra as mudanças climáticas difícil e sem esperança.

***

Tim Hirsch é jornalista e consultor. Ele foi consultor editorial e escritor da Millennium Ecosystem Assessment, da Convenção sobre Diversidade Biológica e do estudo The Economics of Ecosystems and Biodiversity (TEEB).


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2 comentários:

Julio disse...

Saci,

Boa matéria! E você presta um bom serviço reproduzindo-a já em português na ULE.

Há quem acredita que porque o assunto de mudança climática chama atenção para as questões ambientais, então vale a pena repercurtir o alarde. Se audiência fosse pressuposto de importância, o BBB da Globo poderia ser considerado assunto de primeira necessidade. E sabemos, definitivamente há muitas outras prioridades para tratarmos.

Esse texto ajuda a resgatar isso, as reais prioridades ambientais.

Abraço,
Julio

http://ecologiaemeioambiente.blogspot.com/ disse...

Concordo que as mudanças climáticas são apenas uma parte do processo de degradação ambiental. O grande problema é que a mídia só foca nas mudanças climáticas devido as castastrofes que ocorrem nos centros urbanos, em vez de focar no que pode ser feito para mudar o quandro de degradação ambiental atual.