26 de maio de 2010

A Gatiara: um exemplo da falta de conhecimento sobre a Biodiversidade Amazônica

O conhecimento sobre a biodiversidade nas florestas tropicais ainda é relativamente baixo e até mesmo nos grupos mais estudados, como os mamíferos, grande lacunas no conhecimento básico sobre as espécies são comuns. Na floresta amazônica isso é bem evidente, sendo comum que expedições científicas a lugares pouco ou nunca estudados revelem registros novos para espécies conhecidas ou ainda revelem táxons novos para a ciência.

Animais conhecidos mundialmente pelo nome de olingos (gênero Bassaricyon; figura 1) estão entre os mais desconhecidos mamíferos neotropicais, embora tenham sido descritos pela ciência há mais de 100 anos. Estes animais pertencem à ordem Carnivora e à família Procionidae, a qual inclui os coatis, guaxinins e juparás. Os olingos são solitários, arborícolas e noturnos e, embora sejam dessa ordem, alimentam-se quase que exclusivamente de frutos e néctar. Bassaricyon alleni é uma espécie de olingo que ocorre no oeste da Amazônia, relacionado às áreas mais produtivas deste bioma, onde quase nada se conhece sobre sua história natural e praticamente era desconhecido em território brasileiro.

Figura 1Bassaricyon gabbii fotografado na Reserva Biológica Bosque Nuboso Monteverde, Costa Rica (março de 2007) por John Lowes.

Entretanto, um recente estudo publicado on-line na revista Mammalia (Sampaio et al., 2010), baseado em registros e espécimes coletados de nove localidades, mostrou uma impressionante ampliação da distribuição geográfica desta espécie em mais de 1000 km na Amazônia Brasileira (figura 2). Estes pesquisadores determinaram que sua distribuição agora se limita ao sul do Rio Amazonas e a oeste do Rio Madeira. Contudo, eles não descartam a hipótese de que esta espécie possa ocorrer a leste do Madeira e que populações independentes ainda possam ser reveladas para este táxon, conforme mais estudos forem realizados.

Figura 2 – Mapa mostrando a distribuição geográfica de Bassaricyon alleni no norte da América do Sul. A área em verde-escuro indica a prévia distribuição geográfica para a espécie, enquanto que a área verde-claro indica a sua “nova” potencial área de ocorrência na Amazônia Brasileira. As estrelas indicam os locais estudados (Sampaio et al., 2010).

Estes pesquisadores indicaram que a distribuição geográfica desta espécie está muito mais relacionada à falta de dados da espécie do que à produtividade das florestas amazônicas, como previamente se acreditava. É sabido que seu hábito arborícola e noturno contribui para aumentar a dificuldade em seu estudo, mas, além disso, podem ser confundidos por moradores locais, e mesmo por pesquisadores, com outros mamíferos de porte e hábito semelhantes, como macacos-da-noite (Aotus spp.) e juparás (Potos flavus), o que pode levar os olingos a serem negligenciados em levantamentos biológicos.

Bassaricyon alleni pode ser reconhecido pelo nome de gatiara, macaco-janauí/janauaí/januí ou miru-miru por moradores locais da Amazônia Brasileira. As maiores ameaças para a conservação desta espécie relacionam-se à perda de habitat. Esta ameaça pode ser mais presente justamente nas áreas a leste de sua "nova" distribuição geográfica (interflúvio madeira-purus), onde a cobertura florestal poderá ser drasticamente reduzida em um futuro próximo, influenciada pela reconstrução da BR-319 (Manaus-Porto Velho) e construção de duas hidrelétricas (Jirau e Santo Antônio) no Rio Madeira.


Segue a referência do artigo.

Sampaio R, Munari D, Röhe F, Ravetta, AL, Rubim, P, Farias, IP, da Silva, MNF e Cohn-Haft, M (2010). New distribution limits of Bassaricyon alleni Thomas 1880 and insights on an overlooked species in the Western Brazilian Amazon. Mammalia. DOI 10.1515/MAMM.2010.008

Para obter o artigo entre em contato com o autor correspondente – rcosampaio@gmail.com



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2 comentários:

Alexandre Albuquerque "Fritz" disse...

A deficiência do conhecimento de ocorrência distribuição dso seres vivos, me parece, é algo muito sério, vide a hipótese de que essa espécie não ocorria nos locai citados devido à produtividade da floresta. Imagine essa situação em domínios de bioma mais depauperados, como a Mata Atlântica. Esse tipo de informação "sub-amostrada" pode definir os rumos de empreendimentos de modo equivocado. Se bem que, na minha modesta e desinformada opinião, no domínio da mata atlântica não se poderia retirar mais nada, basta. Redirecionamento de uso das terras que já foram desmatadas (incluíndo o uso de áreas para recuperação).
Aliás, muito simpático o bichinho

Saci disse...

Verdade Frito, por isso que é tão urgente a necessidade de sintetizar o conhecimento existente sobre a identidade e distribuição das spp no pais... uma boa iniciativa foi feita pelo Jd Botanico do RJ que liberou a Lista da Flora do Brasil semana passada (http://floradobrasil.jbrj.gov.br/2010/)... essa lista agrega info de varias fontes (inclusive do CRIA)... seria muito bom se todos pesquisadores e instituicoes de dentro e fora do pais entrassem nessa onda de compartilhamento de dados... mas um dos maiores entraves ainda mora na vaidade, protecionismo, isolamento, etc. de muitos curadores, o que causa a fragmentacao do conhecimento num contexto de grande pressao sobre as areas naturais remanescentes... enquanto isso, a natureza padece...