3 de maio de 2009

BR-319: EIA-RIMA, PAC e DNIT

Diante da necessidade de analisar e avaliar a viabilidade de um determinado empreendimento sob um referencial comum, tanto para o empreendedor quanto para a sociedade (via órgãos públicos), é necessário elaborar o EIA (Estudo de Impacto Ambiental) e o RIMA (Relatório de Impacto Ambiental). O Estudo e o respectivo Relatório de Impacto Ambiental – EIA-RIMA são dois documentos distintos, que servem como instrumento de Avaliação de Impacto Ambiental – AIA, parte integrante do processo de licenciamento ambiental. O EIA contém as informações e dados que irão fundamentar o RIMA, que deve ser elaborado em linguagem simples para atingir diversos setores da sociedade e facilitar a análise por parte da população. O EIA-RIMA está vinculado à Licença Prévia, por se tratar de um estudo prévio dos impactos que poderão vir a ocorrer, com a instalação e/ou operação de um empreendimento. Trocando em miúdos, o EIA-RIMA é o instrumento que possibilita a negociação entre o empreendedor e a sociedade para o uso dos recursos naturais.


Como os objetivos de um EIA-RIMA é fornecer as informações necessárias para que a sociedade possa colocar na balança os prós e contras da execução de qualquer empreendimento, a imparcialidade deve ser uma premissa inviolável. Infelizmente essa diretriz não foi seguida durante a consulta pública do EIA-RIMA da Rodovia BR-319 realizado na noite do dia 28 de abril, em Manaus. A apresentação do relatório, feita pelo Sr. Alexandre Rivas, foi desastrosa, parecendo um amalgama apaixonado das metas do empreendedor (DNIT) com as diretrizes do governo, principalmente do PAC. Para se ter uma idéia, quatro cenários foram previstos: 1. com a estrada/sem governança; 2. com a estrada/com governança média; 3. com a estrada/com governança forte e 4. sem a estrada, ou seja, o “business as usual”. A análise desses cenários sugeriu que a opção sem a estrada é ambientalmente inviável. A linha de raciocínio argumentava que a área de entorno da estrada poderia ser desmatada no futuro porque atualmente não existe “governança” para região. Já com a estrada pavimentada a governança seria alta, o que manteria o meio ambiente protegido. No entanto, eu gostaria de saber como um local praticamente natural mantido assim por falta de acesso, pode se tornar ambientalmente inviável exatamente por continuar com falta de acesso. Sei que é confuso, mas foi a lógica defendida. Além do mais, em prol da coerência não deveria haver um cenário sem estrada, mas com governança?


Entre diversas faixas de apoio à repavimentação da rodovia circulando durante a audiência e depoimentos emocionados de deputados estaduais e prefeitos, o corolário de argumentações que enalteciam a importância do empreendimento parecia não ter fim. Fiquei sabendo que a fibra ótica vai passar pelo acostamento da BR, que nove postos de fiscalização manterão a ordem e a governança da região, que foram e serão criadas diversas unidades de conservação ao longo da rodovia, que a vida de 5.700 pessoas irá melhorar muito, que inúmeras pessoas poderão sair de Manaus a um custo menor, que essa estrada será a melhor estrada parque do mundo, etc. No entanto, informações sobre supressão de habitats, fragmentação florestal, previsão de uso e conversão da terra, mudanças na qualidade da água, reorganização social (com enfoque na via Brasil para Manaus, e não somente Manaus para o Brasil) entre outros fatores negativos não foram abordados ou foram tratados superficialmente. Detalhes mais concretos sobre os 21 programas ambientais propostos também ficaram de fora.


Não sou contra as estradas, reconheço sua importância. As primeiras rodovias, que inclui a BR-319, conectaram a região Norte ao resto do Brasil e foram construídas principalmente pelo governo federal na década de 70. No entanto, as rodovias representam um grande dilema: ajudam a reduzir o isolamento dos habitantes das áreas rurais e a melhorar sua qualidade de vida, mas normalmente geram impactos ambientais descontrolados, aumento dos conflitos sociais e dos índices de violência. Não precisa ser um gênio para saber que as estradas são um dos principais vetores de ocupação da Amazônia. Diversos estudos apontam para uma forte relação entre as estradas oficiais com o desmatamento e a mudança no uso da terra, convertendo áreas de vegetação nativa em plantações e pastagens.


Minha crítica não é se a estrada deve ou não deve ser repavimentada. Diversos profissionais experientes e muito mais habilitados do que eu travaram essa discussão em diversas instâncias. Essa crítica é direcionada à forma que o empreendimento foi apresentado e tratado durante a audiência pública. Ajudei a instalar a infra-estrutura de campo necessária de quatro dos seis locais de coleta e a identificar as formigas coletadas. Apesar de preliminar (porque só visitamos os dois primeiros pontos) os dados revelaram alta complementaridade das espécies em uma curta distância geográfica (50 km). Concluímos que, se a estrada é economicamente viável e se a re-pavimentação é a melhor alternativa (o “se” é de extrema importância, porque sem um deles o empreendimento perde o sentido), Unidades de Conservação devem ser criadas ao longo do entorno. Outras sugestões também foram apresentadas pelos pesquisadores de outros grupos taxonômicos para minimizar o impacto do empreendimento. Ponto final. O resto foi discurso retórico e mistura de objetivos.


As ações de contenção de danos ambientais podem e devem ser apresentadas no RIMA, mas espera-se que a aceitação e implementação dessas ações sejam defendidas na audiência pública pelo empreendedor, não pelo apresentador do RIMA. Infelizmente, o sistema de licenciamento ambiental estimula a mistura de interesses. Não faz sentido o empreendedor contratar e pagar o contratado. Essa falta de coerência culmina em episódios como o da semana passada, em que a pessoa que apresenta os resultados do estudo e defende o empreendimento é o contratado, que logicamente não quer ficar mal com o contratante.



Fabricio Baccaro
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6 comentários:

Unknown disse...

Caros colegas,





Durante a audiência pública realizada no dia 29/04/2009, na cidade de Manaus, diversas entidades da sociedade civil manifestaram a falta de divulgação prévia do RIMA da obra de reconstrução da BR-319. Estas contestações vieram a ser evidenciadas pela ausência do referido RIMA no site de licenciamento do IBAMA (http://www.ibama.gov.br/licenciamento/), fato este já manifestado em ação cautelar do Ministério Público Federal do Amazonas de 21 de Abril de 2009. Os altos riscos ambientais e a grande importância político-econômica da reconstrução da BR-319 tornam crucial que o processo de licenciamento seja conduzido de forma transparente e participativa, mas apesar disto a legitimação da audiência pública ontem foi comprometida pela falta de divulgação e pelo curto espaço de tempo para uma análise crítica RIMA. No intuito de se propiciar uma participação informada das audiências públicas, sugiro que iniciemos um abaixo assinado pela realização de uma nova audiência pública.

Unknown disse...

Segundo o que foi apresentado na audiência pública - não o que foi redigido no EIA - RIMA (infelizmente por falta de divulgação não foi possível ler) O único cenário viável para a reconstrução da BR - 319 é o cenário de alta governança. Me pergunto que seria a alta governança?. Morro em Manaus (Sede do governo estadual) e nem mesmo ao lado do palácio do estado vejo a referida "alta" governança. A cidade cresce desordenadamente as custas de invassões, o sistema de transporte urbano se deteriora a cada dia. As melhorias no sistema de transporte urbano perduraram por apenas 3 anos e atualmente os onibus permanecem lotados em mal estado de conservação as obras de infra-estrutura (pontos de integração) realizadas estão sendo desmontadas- sofre o cidadão que depende deste transporte para ir trabalhar. O que vejo na cidade de Manaus, onde a governança deve ser mais "alta" visto a proximidade dos problemas com os governantes é justamente o contrário. O EIA _ RIMA apresentado na audiência publica realizada às presas (segundo o própio ministério publico ver:http://www.pram.mpf.gov.br/Noticias/PRAM/2009/20090422_AudienciasBR319.html) está longe de ser democrático e aberto a discussões. Infelizmente o IBAMA não cumpre sua designação de ser o orgão federal de defesa do meio ambiente. Ademais gostaria de divulgar o seguinte texto (http://www.amazonia.org.br/noticias/print.cfm?id=204101) onde fica claro o cenário de alta governança do qual estamos falando - Ilegalidade e benefício próprio. Não podemos reconhecer a audiência pública realizada para a reconstrução da BR - 319 abaixo assinado já, ação cívil publica já.

Bruno Garcia Luize

Thaise disse...

A audiência pública é um instrumento para auxiliar a decisão do IBAMA, seu objetivo é informar a população e discutir o RIMA. Para isso é necessário que o RIMA seja apresentado de maneira honesta. Ninguém precisava sair de casa para saber que um cenário de alta governança (seja lá o que isso for) é o melhor. A RESOLUÇÃO CONAMA Nº 001, de 23 de janeiro de 1986 define exatamente o que deve conter o RIMA e com isso define o que deve ser apresentado na audiência pública. Em seu artigo 9 a resolução diz o seguinte:
Artigo 9º - O relatório de impacto ambiental - RIMA refletirá as conclusões do estudo de impacto ambiental e conterá, no mínimo:
I - Os objetivos e justificativas do projeto, sua relação e compatibilidade com as políticas setoriais, planos e programas governamentais;
II - A descrição do projeto e suas alternativas tecnológicas e locacionais, especificando para cada um deles, nas fases de construção e operação a área de influência, as matérias primas, e mão-de-obra, as fontes de energia, os processos e técnica operacionais, os prováveis efluentes, emissões, resíduos de energia, os empregos diretos e indiretos a serem gerados;
III - A síntese dos resultados dos estudos de diagnósticos ambiental da área de influência do projeto;
IV - A descrição dos prováveis impactos ambientais da implantação e operação da atividade, considerando o projeto, suas alternativas, os horizontes de tempo de incidência dos impactos e indicando os métodos, técnicas e critérios adotados para sua identificação, quantificação e interpretação;
V - A caracterização da qualidade ambiental futura da área de influência, comparando as diferentes situações da adoção do projeto e suas alternativas, bem como com a hipótese de sua não realização;
VI - A descrição do efeito esperado das medidas mitigadoras previstas em relação aos impactos negativos, mencionando aqueles que não puderam ser evitados, e o grau de alteração esperado;
VII - O programa de acompanhamento e monitoramento dos impactos;
VIII - Recomendação quanto à alternativa mais favorável (conclusões e comentários de ordem geral).
Parágrafo único - O RIMA deve ser apresentado de forma objetiva e adequada a sua compreensão. As informações devem ser traduzidas em linguagem acessível, ilustradas por mapas, cartas, quadros, gráficos e demais técnicas de comunicação visual, de modo que se possam entender as vantagens e desvantagens do projeto, bem como todas as conseqüências ambientais de sua implementação.

Não há dúvidas que a apresentação do RIMA foi parcial e enviesada sobre um estudo de impacto mal divulgado. Acredito ser uma questão de justiça conhecer os reais impactos e alternativas para a re-construção da BR-319, independentemente da decisão que vai ser tomada pelos orgãos públicos no futuro. Não podemos nos calar diante do desrespeito ao nosso direito de cidadão de conhecer os futuros impactos de um empreendimento desse porte sobre a nossa qualidade de vida. Penso em três possíveis frentes de ação: (1) solicitar por via institucional o EIA-RIMA e pressionar a diretoria do INPA para produzir um posicionamento oficial sobre a obra (sob respaldo do § 1º do artigo 11 da CONAMA 1 de 1983); (2) solicitar ao IBAMA que sejam feitas outras audiências públicas (respaldado pelo § 2º do artigo 11) até que todos os itens do artigo 9 sejam apresentados e (3) acionar o ministério público para que eles cumpram a sua atribuição de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia ( no caso estamos falando dos direitos assegurados no capítulo VI da constituição, em especial Art 225, § 1). Alguém sabe como fazer alguma dessas coisas?

Unknown disse...

Thaise,

Concordo contigo em vários pontos e sugiro como forma de ação um abaixo assinado repudiando a audiência passada e exigindo uma nova. Pelo que soube esta parece ter sido a linha de ação de um grupo de ONGs ambientalistas, mas discordo com eles no local solicitado para nova audiência. Pediram para que fosse realizada em brasilia! Solicitar nova audiência é amparada pela resolução CONAMA 9 de 1987. Diz "Sempre que julgar necessário, ou qndo solicitado por entidade civil, ou Minist. Público, OU POR 50 OU MAIS CIDADÃOS, o órgão de meio ambiente promoverá a realização de audiência pública." Desta forma, sugiro aqui novamente que se inicie um abaixo assinado solicitando nova audiência para ser enviado ao IBAMA e Ministério público.

Unknown disse...

Pois é gente, estamos nos preucupando com o tipo de licenciamento que é feito. DAqui algumas horas essa preucupação não valerá mais... afinal não vamos mais precisar do licenciamento.

Senado pode votar esta semana fim de licença ambiental para obras em estradas
Claudia Andrade
Do UOL Notícias
Em Brasília
Uma medida provisória que acaba com o licenciamento ambiental prévio para obras em rodovias federais já existentes pode ser votada esta semana no plenário do Senado. Essa flexibilização no processo de concessão de licenças ambientais, alterando o artigo 10 da lei 6.938, de 1981, foi introduzida durante as discussões da MP (Medida Provisória) na Câmara dos Deputados.

O texto inicial, enviado pelo Executivo, tratava apenas da prorrogação do prazo para que o Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) realize obras em estradas cuja administração foi transferida para os Estados. A sugestão era que o prazo fosse estendido até dezembro de 2010 e os deputados aprovaram a prorrogação até dezembro de 2012.

O senador Eliseu Resende (DEM-MG), ex-ministro dos Transportes, é o relator da matéria no Senado. Segundo sua assessoria, ele estava trabalhando em seu parecer nesta segunda-feira e só falaria com a imprensa depois de fechar o relatório, o que deve ocorrer nesta terça.

Seu colega de partido Gilberto Goellner (MT) é a favor da aprovação das medidas no Senado. "Eu vejo que os atrasos para emissão das licenças estão impedindo obras fundamentais para o país. Um novo licenciamento ambiental prévio é redundância. Mesmo a duplicação vai seguir o leito da estrada, que já foi aprovado e vai ser só alargado".

O coordenador do programa de política e direito socioambiental do ISA (Instituto Socioambiental) tem opinião diferente. Para Raul do Valle, a aprovação do texto como ele está seria "um retrocesso político sem precedentes". "Se existe demora (para dar resposta aos pedidos de licença), a solução não é acabar com o licenciamento, é colocar mais gente para trabalhar".

Ele afirma que, mesmo se o Congresso aprovar a medida, ela poderá ser contestada no STF (Supremo Tribunal Federal), por ferir o parágrafo 1º do artigo 225 da Constituição Federal. O inciso quatro exige estudo prévio de impacto ambiental para instalação de obra "potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente".

O coordenador de políticas públicas do Ipam (Instituto de Pesquisa da Amazônia), André Lima, afirma que "80% do desmatamento registrado no país ocorre às margens das BRs, sendo que 60% deste desmatamento ocorre depois da pavimentação". "Não se defende que não haja licenciamento ágil para obras de alto interesse nacional, mas isso não pode ocorrer em prejuízo de um importante instrumento que é o licenciamento ambiental".

Para o senador Goellner, as críticas ocorrem por "falta de conhecimento". "Se tem alguém contrário à medida, é contrário à qualidade de vida no país. Imagine o Rio de Janeiro ou São Paulo se não pudesse fazer obras em suas estradas. Os Estados de fronteira também têm direito". O parlamentar argumenta que em rodovias antigas com grande movimentação, os acidentes são comuns.

PAC
O coordenador do Ipam afirma que o interesse do governo nas obras do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) "influenciou 100%" na assinatura da MP. "Se o governo quisesse reverteria no plenário da Câmara a aprovação da medida, atendendo a uma demanda da população". Embora considere difícil, ele torce por um acordo no Senado que inclua ressalvas no texto em relação às rodovias localizadas na Amazônia.

O senador do DEM acha que as alterações feitas pela Câmara são importantes e devem ser mantidas no Senado. Ele nega que as obras do PAC tenham influenciado na edição da MP. "Não foi em função disso que esse assunto foi acelerado. É que restou ao governo fazer algo competente, já que o processo está tão demorado e tão complexo. Apenas melhorou".

O próprio presidente Lula criticou recentemente a demora no licenciamento ambiental. Ao inaugurar o aeroporto de Cruzeiro do Sul (AC), no final de abril, o presidente disse que, no Rio Grande do Sul, uma perereca paralisou as obras durante sete meses, até que se descobrisse se o anfíbio estava ou não em extinção.

A MP que aguarda votação no plenário do Senado é a mesma que trata da autorização para emissão de títulos públicos que componham o crédito de R$ 14 bilhões para o Fundo Soberano

Unknown disse...

Para o barco que eu quero descer !