14 de fevereiro de 2009

As florestas da Amazônia funcionam como fontes ou drenos de carbono?

Por Ricardo Braga-Neto

Em 11/02/09, Luiz Bento do blog Discutindo Ecologia publicou o post “Amazônia NÃO é o "pulmão" do mundo. Ou pode ser?” sobre a premissa da neutralidade na produtividade primária líquida em florestas antigas, levantando a questão de o bioma amazônico funcionar como uma fonte ou dreno de CO2. A argumentação foi baseada em um artigo recente (Luyssaert et al. 2008) que realizou uma meta-análise de centenas de trabalhos publicados, evidenciando que a maioria das florestas antigas do hemisfério Norte apresentou produtividade primária líquida positiva.


A produtividade primária líquida (PPL) é uma medida do funcionamento da floresta, derivada do balanço entre a emissão de carbono pela respiração e a absorção de carbono pela fotossíntese. No nível do ecossistema, se a PPL é positiva, a fixação de carbono é maior que a perda de carbono - a floresta engorda, ou seja, aumenta em biomassa. Por outro lado, a floresta perde peso (emite mais CO2 que absorve) se a PPL for negativa. Embora o número de trabalhos compilados no artigo citado seja elevado (mais de 500), as análises apresentam um forte viés geográfico para florestas boreais (30%) e temperadas (70%), pois os trabalhos referentes a florestas tropicais não foram considerados. Essa limitação foi reconhecida, mas o fato é que existem mais informações disponíveis para alimentar a discussão.

O que se sabe sobre o funcionamento da Amazônia?
O funcionamento das florestas tropicais é muito importante para se quantificar a produtividade primária líquida dos ecossistemas terrestres no planeta, pois elas contribuem com 1/3 do montante total, cerca de 3 vezes mais que as florestas boreais e temperadas. Os cálculos da quantidade de carbono presente em florestas são baseados na conversão de dados de inventários florestais em estimativas de biomassa (a quantidade de carbono é proporcional à metade do peso seco), usando equações alométricas que são obtidas por métodos de regressão a partir de dados empíricos. Quanto mais indivíduos e quanto maiores estes forem, maior é a biomassa presente em uma determinada área. É importante lembrar que essas estimativas são referentes à biomassa acima do solo, pois existem dificuldades práticas de se quantificar a biomassa contida nas raízes. Além disso, embora a densidade da madeira não seja igual para todas as espécies, ainda existem poucos dados sobre as espécies de árvores na Amazônia e em geral as diferenças não são consideradas nos cálculos. Isso pode ter grande implicação sobre as estimativas de estoque e fluxo de carbono, como este trabalho evidencia, mas essa questão não será considerada aqui.

Embora exista uma quantidade de dados razoável para se avaliar a dinâmica das florestas na Amazônia, as estimativas do estoque de carbono variam muito, principalmente devido a diferenças metodológicas na amostragem dos dados, diferenças nas medições de diâmetro (referente ao tamanho do indivíduo), ao tipo de equação alométrica usada e à pequena cobertura espacial, geralmente insuficiente para se obter generalizações de uma determinada área. Esses são os principais problemas que acarretam em incertezas na extrapolação das estimativas locais para regiões maiores, dificultando a compreensão da dinâmica do carbono no bioma amazônico.

Em 2004, Timothy Baker e mais de uma dezena de colaboradores avaliaram a maioria das evidências (até então) relacionadas com a dinâmica da biomassa em florestas neotropicais, concluindo que essas florestas estão absorvendo CO2 consistentemente, em uma ordem de grandeza de 0,61 ± 0,22 MgC/ha ao ano. Essa tendência deve ser encarada como uma hipótese, já que a cobertura espacial dos dados é bastante limitada. Entretanto, nos últimos anos uma crescente quantidade de informações, obtidas em diferentes locais e sob diferentes abordagens, está sendo acumulada na Amazônia, permitindo avaliar com mais segurança a dinâmica de suas florestas. Muitos resultados recentes estão corroborando essa tendência de as florestas amazônicas estarem engordando e absorvendo carbono, mas um trabalho feito na Reserva Ducke merece maior atenção.

Aproveitando o sistema de amostragem instalado na Reserva Ducke pelo PPBio/MCT e pelo PELD/CNPq, Carolina Castilho estudou a variação na biomassa de árvores e palmeiras em função das características do solo e da altitude em 72 parcelas permanentes de 1 ha, distribuídas regularmente em 64 km2 (8 x 8 km). Essa abordagem amostral permite reduzir um dos problemas citados acima (pequena cobertura espacial) e favorece a extrapolação dos resultados para uma área maior, pois os resultados são mais representativos das condições encontradas na Amazônia Central. Mas quais foram os principais resultados desse estudo? A figura ao lado se refere à frequência de distribuição de biomassa de árvores nas 72 parcelas da Ducke. Claramente pode se perceber que existe uma grande variação na biomassa nas parcelas, seguindo uma distribuição normal. Entretanto, um grande diferencial desse estudo está relacionado com o desenho das parcelas, que segue a curva de nível do terreno, minimizando a variação nas características do solo e da altitude em cada unidade amostral e permitindo a comparação adequada da biomassa observada nas 72 parcelas amostradas.

Assim, foi possível testar a influência das características do solo e da altitude (que na Amazônia Central estão fortemente correlacionadas) sobre os estoques de biomassa presente nas árvores e nas palmeiras. Considerando uma medida no tempo, foi possível perceber que as árvores têm maior biomassa em solos argilosos, que estão localizados nas áreas mais elevadas, enquanto que as palmeiras têm maior biomassa em solos arenosos, que estão nas áreas baixas. Depois de 2 anos, novas medidas de diâmetro das árvores e palmeiras foram obtidas e foi possível perbecer que a floresta como um todo está engordando, acumulando biomassa e absorvendo CO2 da atmosfera. Contudo, como a figura ao lado evidencia, esse acúmulo não é homogêneo: as áreas altas (com alto teor de argila, clay em inglês) tem uma taxa de absorção de carbono maior que as áreas baixas (em solos arenosos).

Para onde estão direcionados os esforços na Amazônia brasileira?
Ainda não se sabe porque as florestas amazônicas estão aumentando em biomassa, mas é certo que esse processo têm grandes implicações econômicas, via regulação dos mecanismos de REDD (Redução de Emissões para o Desmatamento e Degradação), que serão discutidos na COP15 em Copenhagem em dezembro de 2009. É possível que a absorção de carbono pelas florestas da Amazônia esteja associada a respostas a distúrbios históricos decorrentes do último período glacial ou ao aumento recente da concentração de CO2 na atmosfera. Porém, a abrangência e efetividade da absorção de CO2 pelas florestas só serão confirmadas através do acúmulo de informações obtidas em parcelas permanentes, com grande cobertura geográfica.

Felizmente, dois programas de pesquisa vinculados ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), são determinantes desse iminente progresso: o PPBio (Programa de Pesquisa em Biodiversidade) e o LBA (Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia). O primeiro é responsável pela replicação do sistema usado na Reserva Ducke em diversos sítios da Amazônia - atualmente já existem medidas do estoque de carbono pelo menos para a Reserva Biológica do Uatumã (AM), Parque Nacional do Viruá (RR) e Estação Ecológica de Maracá (RR) e atividades complementares estão em andamento em outros locais da região amazônica no Pará, Amapá, Acre e Rondônia. O segundo programa do MCT estuda o funcionamento climatológico, biogeoquímico e hidrológico da Amazônia, sendo responsável também por estudos sobre o impacto das mudanças do uso da terra em escala regional e global. A integração entre os resultados desses dois programas promete revolucionar o que sabemos sobre o funcionamento das florestas amazônicas. O mais difícil vai ser transformar esse conhecimento científico em políticas públicas, mas é certo que ele poderá ser um diferencial nas negociações da remuneração pelos serviços ambientais prestados pela maior área contínua de floresta tropical do planeta.
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7 comentários:

Luiz Bento disse...

Valeu pela comentário/post Saci. Ótimo complemento. Só gostaria de adicionar mais uma coisa.

Como trabalho com ambientes aquáticos, posso afirmar que estudos que levam em consideração somente a area terrestres tentem a ser incompletos. Boa parte da biomassa vegetal não é degradada no ambiente terrestre. Esta é lixiviada para os ecossistemas aquáticos, onde é efetivamente respirada.

Desta forma, o balanço de carbono de um ambiente complexo como a amazônia tem que levar e consideração toda a matéria orgânica que supostamente estaria fixada no ambiente terrestre mas foi lixiviada para os ambientes aquáticos (pois como não foi respirada neste ambiente, não foi contabilizada neste balanço de carbono).

O breno escreveu um post sobre o trabalho do pessoal do LBA. O resultado é produção líquida negativa. E muito negativa.
http://discutindoecologia.blogspot.com/2009/01/importancia-dos-ambientes-aquaticos-no.html

Abraços e aguardo por futuras discussões no science blogs brasil :)

Saci disse...

Realmente existe um transporte de matéria orgânica de ambientes terrestres para os rios na Amazônia, e para compreendermos o balanço de carbono nas florestas temos que quantificar melhor esse êxodo de nutrientes e a decomposição em ambientes aquáticos.

Como a maior parte dos solos amazônicos é pobre em nutrientes, as florestas apresentam uma série de adaptações (como rede de raízes superficiais e reciclagem direta através de fungos ectomicorrízicos) que minimizam essas perdas.

Em ambientes aquáticos, a complexidade aumenta pela mobilidade e pela decomposição de matéria orgânica poder gerar mais metano, um dos piores gases estufa, e não somente CO2.

Além disso, a taxa de decomposição pode variar entre os ambientes e dificultar os cálculos do balanço de CO2.

Se liberação de carbono associada com a decomposição em ambientes aquáticos for mais lenta que o balanço de CO2 em ambientes terrestres (aparentemente positivo), isso criaria um atraso na liberação de CO2 nos rios, levando a uma dificuldade de entender o saldo em ambientes terrestres.

Minha percepção é que as florestas não podem simplesmente exportar nutrientes ao infinito, pois os solos fortemente lixiviados já não permitem esse luxo.

Luiz Bento disse...

Pense na floresta e nos ambientes aquáticos da Amazônia como um continuum. Um ambiente tão fortemente ligado a pulsos de inundação e seca não pode ser analisado de forma separada.

Não é só pela lixiviação que a matéria orgânica pode chegar ao ambiente aquático. Neste tipo de áreas alagáveis o ambiente aquático "vai" até a floresta. É claro que nem toda a amazônia é potencialmente uma área alagável, mas com certeza esta área é muito significativa.

Conceitualmente os ambientes aquáticos em geral e, mais ainda, os lagos e lagoas, formam a porção final da bacia de drenagem. Recebem toda a carga de nutrientes, carbono e materiais advindos de todo o sistema terrestre. Cada vez mais tem sido levantado na literatura o papel do material alóctone (de fora do ambiente aquático) para a teia trófica deste ambiente. Quanto mais estudamos ecossistemas tropicais, mais damos importância a heterogeneidade espacial e a importância das interfaces entre o ambiente terrestre e aquático.

Variando ou não a taxa de decomposição aeróbica e anaeróbica em ambientes aquáticos, padrões podem ser levantados. Levantamentos mundiais já foram feitos e mostram que a maior parte dos ecossistemas aquáticos do mundo é heterotrófico, exportando mais carbono do que fixa. É claro que todo este carbono não é autóctone.

De certa forma os ambientes aquáticos nos últimos anos foram vistos como "vilões", por emitirem muito CO2 e metano. Mas sabemos que a produção primária e secundária autóctone não sustentaria toda essa taxa de respiração. Grande parte da "culpa" dos ambientes aquáticos deve-se aos ambientes terrestres, mais especificamente as florestas. Parte deste carbono se acumula no sedimentos de lagos por milhares de anos, mas grande parte é rapidamente respirada, por bactérias e archeas sedentas por substrato.

Por muitos anos os ambientes aquáticos e terrestres foram encarados como caixas. Separados, sem conexão. A superexposição da ciência climáticos nos mostra que efeitos em escala local podem ter consequências globais.

O Rio amazonas, que já tem uma grande influência no próprio ecossistema amazônico, pode exportar nutrientes e matéria orgânica por extensões absurdas, chegando a influenciar a costa leste de grande parte da América do Sul. Fenômenos deste tipo mostram que muitas vezes a escala em que estamos fazendo uma análise pode nos trazer diferentes conclusões de uma determinada situação.

Saci disse...

Concordo com suas observações sobre a conexão entre os ambientes e também com a questão da escala espacial.

Mas considerando o conhecimento fragmentado sobre a estequiometria do carbono entre florestas de terra-firme e florestas alagadas na Amazônia, acho prematura a colocação conclusiva do Breno no post A importância dos ambientes aquáticos no ciclo do carbono amazônico.

Conforme mais dados estiverem disponíveis, teremos mais subsídios para quantificar o transporte de carbono dos ambientes terrestres para os aquáticos e, assim, mais segurança para avaliar o balanço de carbono nas florestas de terra-firme, que com certeza ocupam a maior parte da bacia amazônica.

Luiz Bento disse...

Bem, estamos vamos para o ambiente aquático. Concordo plenamente com o comentário do Breno e não acho prematuro de forma alguma. Ele não citou no post, mas o conhecimento sobre a passagem de carbono do ambiente terrestre para o aquático está longe de ser "fragmentada" na literatura, até para a Amazônia. Eu trabalho com lagoas costeiras, mas é só procurar um pouco que achamos bastante coisa para a Amazônia.

Um dos principais nomes desta área na amazônia é o Prof. Alex Krusche, do CENA-USP. Ele publicou um artigo na nature com outros autores especificamente sobre este tema. Você pode dar uma olhada aqui.
http://www.nature.com/nature/journal/v436/n7050/abs/nature03880.html

Ele não só descreve a "estequiometria do carbono", que na verdade é a relação da concentração de carbono relativa a outros nutrientes como faz uma coisa bem mais profunda e interessante. Ele mostra que a idade do carbono que é respirado nos rios (através de análise isotópica)é em grande parte de carbono novo, proveniente do ambiente terrestre. Além disso ele faz um bom levantamente da literatura sobre o tema.

Lembro que o trabalho é de 2005. Ele já faz um levantamento da literatura anterior, o que mostra que o conhecimento não é tão recente.

Estive na paletras do Prof. Krusche no Congresso de Ecologia do Brasil em 2007, onde ele divulgou, além deste resultado, outros dados bem interessantes. Você pode ler o resumo da palestra aqui.
http://www.seb-ecologia.org.br/viiiceb/palestrantes/alex.pdf

Um artigo geral, mas muito interessante foi um publicado no ano passado discutindo a importancia de lagos e rios como indicadores de alterações no ambiente terrestre. Ele foi publicado na Frontiers in Ecology and the Environment, do mesmo grupo da Ecology.
http://www.esajournals.org/doi/abs/10.1890/070140

Sendo assim, reforço novamente a importância de entendermos o ciclo do carbono em ambientes aquáticos em ecossistemas como a Amazônia. A análise somente do ecossistema terrestre pode ser tendenciosa em relação ao fluxo de carbono do ecossitema como um todo, principalmente na sua importância global.

Breno Alves Guimarães de Souza disse...

Caro Saci,

O meu post sobre "A importância dos ambientes aquáticos no ciclo do carbono amazônico" nada tem sobre estequiometria (para melhor entendimento recomendo o livro Ecological Stoichiometry, do Prof. Sterner). O post diz exclusivamente sobre o balanço de carbono entre ambientes aquáticos e terrestre, além de como se dá o transporte deste carbono terrestre para o ambiente aquático.
Sobre a sua colocação de conhecimento fragmento sobre este assunto, sugiro que leia os trabalhos de Prof. Jonathan J. Cole, ele é um especialista no assunto. Ele publica trabalhos sobre o assunto em renomadas revistas desde o ínicio da década de noventa.

Abraços e parabéns pelo blog.

Saci disse...

Luiz e Breno, não tive a intenção de ser indelicado.

Concordo com vocês que a integração entre os sistemas terrestre e aquático é imprescindível para entender o ciclo do carbono e suas nuances complexas na escala continental da Amazônia.

A perspectiva mais frutífera desse nosso diálogo de hoje reside exatamente nele. A discussão que tivemos foi bastante estimulante. Acho que só com integração teremos condições de superar nossas limitações individuais e caminhar juntos na direção da geração e divulgação de conhecimento científico aplicável à melhoria da nossa qualidade de vida enquanto cidadãos do mundo.

Obrigado pela oportunidade e até já.