15 de fevereiro de 2009

Gaudí e a Biologia

O arquiteto é inquestionavelmente um gênio. Mas de onde saiu tanta criatividade?

Por Gabriela Zuquim

Obras geniais da arquitetura ou engenharia podem ser um pouco entediantes aos menos entusiastas dos feitos da humanidade moderna. Eu confesso que fiquei entediada com o entra-e-sai das igrejas da região de Ouro Preto e Mariana... as cidades são lindas, mas o que eu queria mesmo era correr para uma cachoeira. Mas com Gaudí isso não acontece. Em suas obras, começam a surgir, mais ou menos óbvios, elementos da natureza.


Ao longo da história, o ser humano foi pouco a pouco se distanciando de uma vida dependente de paisagem natural. Mas o movimento contrário também acontece e entrar em uma obra de Gaudí remonta a sensação de estar mergulhando em uma floresta, no mar ou em uma savana.

Antoní Gaudí foi um arquiteto catalão que possuía uma linguagem pessoal. No início, suas obras eram góticas, bonitas, mas não foram estas que o consagraram. O que faz Gaudí estar em um blog de biólogos é sua leitura e representação da natureza.

O Templo Expiatório da Sagrada Família é a obra mais famosa. O projeto ainda inacabado não nos deixa dúvidas de que esse homem tinha uma mente ousada. A partir dos 31 anos de idade ele passou a dedicar-se exclusivamente à construção do templo e assim se passaram os seguintes 40 anos, até a sua morte por atropelamento. Nem falta de dinheiro e nem a perspectiva de nunca ver a obra pronta o fizeram menos obcecado. Gaudí gastou tudo o que tinha em um canteiro de obras que acabou tornando-se sua casa quando nem mesmo o aluguel poderia ser custeado. O templo está em construção há 126 anos, mas ainda falta muito para acabar. E então, a natureza... a fachada da paixão lembra uma gigantesca Samaúma (Ceiba petandra), árvore que se destaca nas paisagens de várzeas amazônicas por seu porte e pelas longas sapopemas (projeções do tronco que auxiliam a sustentação de uma árvore de 45 m sobre raízes superficiais e um solo mole). Por dentro da igreja, podemos nos sentir dentro de uma floresta, pois as colunas se ramificam como troncos de árvores. A textura do teto imita o dossel, o teto da floresta formado pelas folhas e ramos das árvores.


Da floresta para o mar, a Casa Batlló. A casa foi reformada por Gaudí entre 1904 e 1906, e é o auge da expressão de sua fase naturalista. Com liberdade total de estilo, muita criatividade alimentada pela diversidade de formas vivas que agradecemos todos os dias a seleção natural, e um bom dinheiro da família Batlló, Gaudí criou o que é, em minha opinião, a mais desconcertante obra. Um sentimento de alegria brota ao entrar, não muito diferente de entrar no mar, num dia de calor. O elemento água está sempre presente. Os exemplos são infindáveis. O olhar dele sobre a natureza e a profunda compreensão do significado que as formas dela têm sobre o ser humano é o toque de gênio que existe devido à sensibilidade de Gaudí.

O Parque Güell, foi construído originalmente para ser um condomínio fechado de milionários, mas não chegou a tal objetivo por falta de dinheiro para a continuidade da obra. Gaudí não era apenas sensitivo e amante das formas da natureza, ele era um pesquisador aficionado pela fauna e flora. Estudando anatomia, entrou em contato com as obras do naturalista alemão Ernst Haeckel. Seus desenhos contribuíram com certo rigor científico nas obras de Gaudí e um enorme nível de detalhamento de formas da natureza. Tudo filtrado pelo olhar de Gaudí e expresso em mosaicos magníficos.


Surpreendente mesmo foi o encontro com uma pomba-gaudí! Uma inegável evidência de que Lamark estava certo (aos desavisados, isso foi apenas uma licença poética!). Moradora fiel e predadora de pipocas Gaudianas, acabou desenvolvendo uma penagem colorida para se camuflar nos mosaicos do seu habitat natural. Se couber um parênteses ao ceticismo de pesquisadora, visitar as obras do Gaudí foi uma experiência espiritual. Há magia em toda parte. E a natureza é o pano de fundo.

Talvez tenham faltado informações básicas sobre a bibliografia do Gaudí. Mas a verdade é que seu legado é atemporal e a expressão do sentimento de busca pelo natural presente em suas obras é universal. Fatos são apenas fatos.

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Um comentário:

Anônimo disse...

Olha, já me falaram da grande relação entre ciência e arte: os gregos antigos usavam a palavra "techné" para designar tanto a técnica utilizada na construção de artefatos (talvez daí venha o significado moderno de nossa palavra "tecnologia"), como para a própria arte. Na verdade, para eles, "técnica" e "arte" são a mesma e única coisa. "Episteme", também na origem de nossa cultura ocidental, era entendido como pensamento em si, autônomo e crítico. Algo aproximado ao que hoje entendemos como ciência. Eu diria, em minha humilde opinião, que a ciência é a mãe e o pai da tecnologia e da arte. E, cá entre nós, o seu texto sintetiza de forma muito sensível e simpática essas esferas de nossa natureza humana.
Um grande beijo, minha amiga.
Saudades!
Luísa