14 de novembro de 2008

Pesquisadores do Inpa estudam efeitos de manejo florestal sobre peixes de igarapés

Resultados indicam que o manejo de baixo impacto provoca efeitos negativos menos danosos para os peixes em relação à outros tipos de uso da terra.

O manejo florestal de baixo impacto é uma forma de exploração mais eficiente da madeira da floresta que têm ganhado força com a onda da “sustentabilidade” que paira sobre o mundo. Cada vez mais, alternativas planejadas e supostamente “menos danosas” são preferidas quando o assunto é a exploração de recursos naturais em conjunto com a conservação da natureza.

E não é por acaso. Com técnicas bem definidas e leis rígidas, a utilização do manejo florestal como meio para conservação é destacada, já que o intuito é utilizar racionalmente os recursos naturais e garantir os estoques madeireiros no futuro. A maior preocupação quando se faz o manejo é que o mínimo de área de floresta seja danificado, para que as árvores que permaneceram sejam capazes de sobreviver e recolonizar o ambiente, gerando indivíduos jovens que irão ocupar a área de onde a tora foi retirada.

Mas o que os igarapés e os peixes têm a ver com o manejo florestal? Os igarapés de terra firme são pequenos corpos d’água que formam uma extensa malha que drena a água da floresta para os principais rios. Por serem pequenos e bastante sombreados pela mata, esses ambientes e os organismos que ali habitam dependem da matéria orgânica que cai da floresta, principalmente folhas, galhos, frutos, etc. Por exemplo, os troncos caídos nos igarapés formam trechos com águas mais lentas e mais profundas, que são habitados por algumas espécies de bagres; por outro lado, as folhas, frutos e insetos que caem na água são utilizados como alimento por muitas das espécies de peixes. Por causa dessa dependência, qualquer alteração na floresta é sentida também pelos organismos que vivem nos igarapés.

Características dos igarapés são importantes para a sobrevivência das espécies de peixes

Pensando nisso, os pesquisadores Murilo Sversut Dias, William Magnusson e Jansen Zuanon do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) realizaram um trabalho para testar a existência de danos ambientais causados pelo manejo florestal de baixo impacto nos igarapés de terra-firme e seus possíveis efeitos sobre os peixes que vivem nesses ambientes. Os autores utilizaram duas abordagens para determinar os efeitos do manejo: uma comparando os mesmos igarapés antes e depois das áreas serem manejadas (efeitos em curto prazo) e outra comparando igarapés em áreas manejadas e igarapés em áreas não manejadas (efeitos em longo prazo). O trabalho, que faz parte do Projeto Igarapés (coordenado por J. Zuanon), foi realizado em parceria com a empresa Mil Madeireira Itacoatiara Ltda. (pertencente ao grupo Precious Woods Amazon), localizada na cidade de Itacoatiara (AM), e o resultado surpreendeu.

Em curto prazo, algumas espécies de peixes foram mais abundantes nos igarapés após o manejo. Por exemplo, a espécie
Apistogramma cf. steindachneri (popularmente conhecida como “acará”) possuiu número de exemplares cinco vezes maior nos igarapés após a área ser manejada. Porém as espécies encontradas antes do manejo não foram muito diferentes das encontradas após o manejo. Já em longo prazo, o número de indivíduos por espécie em áreas manejadas foi diferente do encontrado em áreas não manejadas. Porém, mais uma vez a composição de espécie presente em ambas as áreas foi muito parecida.

Estudos em outros países revelaram, por exemplo, que o desmatamento da floresta adjacente aos corpos d’água causou uma grande perda de espécies de peixes nos igarapés. O estudo realizado por Murilo e colaboradores evidenciou que o manejo florestal bem conduzido pode minimizar os efeitos negativos do corte de árvores sobre os sistemas de igarapés, pois boa parte das espécies presentes em áreas não-manejadas estava presente também nos igarapés das áreas manejadas. Isso indica que o tipo de manejo estudado pode causar menos impacto do que outras práticas florestais comuns na região, como o corte sem planejamento ou o desmatamento completo das áreas de exploração.

Os autores acreditam que a realização correta do manejo florestal deve ser baseada em
técnicas que não causam perda de espécies, conforme encontrado no estudo realizado pelos pesquisadores. Entretanto, ressaltam que o manejo de baixo impacto não significa manejo sem impactos. Ainda não é possível saber se as “receitas” de manejo florestal, pensadas especificamente para garantir a conservação das espécies madeireiras, protegerão todos os elementos da biodiversidade (p.ex.: animais, plantas e fungos) e os processos ecológicos em toda a área manejada.

É necessário que as empresas, além de realizarem técnicas menos danosas ao ambiente, invistam em
pesquisa e monitoramento dos diversos elementos da biodiversidade (como tem sido o caso da Mil Madeireira Itacoatiara Ltda.), com o intuito de detectar e, se necessário, minimizar impactos inesperados na biodiversidade e processos ecológicos no ambiente. É dessa maneira, avaliando caso a caso e fazendo com que os interesses de mercado e a ciência caminhem lado a lado, é que poderemos trilhar caminhos promissores para o desenvolvimento “sustentável” que o mundo tanto almeja.

Publicado originalmente no Portal PPBio.

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