7 de novembro de 2008

A urbanização pode ajudar a reduzir o desmatamento na Amazônia?

Por Ricardo Braga-Neto

Faz pouco mais de um ano, eu me deparei com um artigo curioso. Para um texto que se propunha a falar do futuro da humanidade e da dinâmica biológica em grande escala espacial e temporal, me surpreendeu o fato de não ser pessimista. Ao contrário, os autores (Wright e Muller-Landau 2006) mostraram com muita elegância que existe uma tendência forte e cada vez maior de as pessoas se concentrarem em grandes centros urbanos, em detrimento das áreas rurais. Assim, haveria gradualmente menos pressão sobre as florestas tropicais ao redor do planeta.

Isso soou estranho demais no mainstream e não demoraram algumas respostas abrasivas. Eu havia presenciado esse frenesi pessoalmente em Morélia no encontro da ATBC de 2007. O casal Joseph Wright e sua esposa Helene Muller-Landau até passeavam tranquilamente com seu bebê recém nascido pelos jardins barrocos da cidade. Mas depois que Joe apresentou uma palestra sobre esse artigo numa sessão especial, que teve a participação de Philip Fearnside (Inpa), o sossego deles acabou e foram bombardeados por perguntas, olhares tortos e desconfianças até o final do congresso.

A palestra do Phil acabou de virar artigo (Will urbanization cause deforested areas to be abandoned in Brazilian Amazonia?) que saiu na Environmental Conservation. A generalização era mesmo a musa do calcanhar de Aquiles da argumentação de Wright e Muller-Landau. O raciocínio defendido pelo Phil é que não se pode generalizar nada sem se considerar as peculiaridades da maior floresta tropical do planeta, a Amazônia. Nela, há uma distinção muito forte entre o potencial de desmatamento de um fazendeiro e de comunidades tradicionais, absurdamente maior no primeiro caso. O artigo é bem legal porque serve como um teste de hipótese de um tema bem relevante para a dinâmica de ocupação humana na Amazônia brasileira, no contexto do Zoneamento Econômico Ecológico previsto no Plano Amazônia Sustentável (PAS).

Além dessa abordagem, particularmente importante para a conservação da Amazônia é o papel das grandes cidades. O crescimento urbano é tão inevitável quanto necessário, mas crescimento não é sinônimo de desenvolvimento. Para se desenvolver, é preciso planejar. Para crescer, viva a inércia. Juntamente com seus parentes estaduais, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) rege sobre as áreas que são (e serão ainda) priorizadas para receber investimentos e atenção da sociedade visando garantir a conservação das espécies e dos processos ecológicos, evolutivos e climáticos. O SNUC é reconhecidamente um orgulho nacional e ainda está em expansão na região Norte. Contudo, se o que foi dito por Wright e Muller-Landau soar minimamente razoável aos ouvidos da próxima década, é preciso voltar a atenção para a relação dos recursos naturais com as atividades de pessoas que vivem nas grandes cidades da Amazônia, pois elas consomem e defecam como qualquer organismo. Curiosamente, a existência de uma unidade de conservação não formalmente reconhecida pelo SNUC no entorno de Manaus, a Reserva Florestal Adolpho Ducke, administrada e mantida pelo Inpa, está protegendo há mais de duas décadas uma floresta valiosíssima do ponto de vista científico (veja o video abaixo, as áreas em rosa são as desmatadas).


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A expansão urbana de Manaus chegou às suas bordas, bateu em suas portas, mas não pôde entrar. Isso é de alegrar até beata em missa de sétimo dia! Mas é certo que essa proteção toda não é gratuita: ela se dá a custa de uma fiscalização pouco rigorosa mas muito presente, envolvendo cerca de 15 homens para uma reserva de 10.000 hectares (um recorde para a Amazônia?). Assim, sua replicação em outras unidades não é viável. Então... onde mora a solução? Fechar o tesouro dentro do baú? E se a chave for de ouro?

2 comentários:

Fabricera disse...

Legal essa notícia. Só não entendi a linha de raciocínio do casal. A questão não é que teremos menos pressão nas áreas naturais, porque mais pessoas se concentrarão nas cidades. O problema é que teremos MAIS gente. Simples assim. A concentração de pessoas, tecnologia e consumo estão todas correlacionadas e fiquei intrigado com a linha de raciocínio simplista deles (preciso ler esse artigo). Se tivesse que chutar em algum desses fatores como o causador do efeito, apostaria no consumo.
Não é de hoje que ouvimos em todos os lugares que consumimos mais do que precisamos e desperdiçamos muito. Mas o consumo não é um monstro do mal incontrolável. Daria para botar a casa em ordem simplesmente repassando os custos ambientais REAIS de produção. E olha que essa idéia não é nova. Mas é muito difícil mudar a filosofia do mercado. Hoje em dia temos a "consciência verde" estampada em todo o lugar (até lixão a céu aberto é verde), mas a empresa que se dá bem é sempre aquela que tem o menor preço.

Saci disse...

Fazao, você num perdeu tempo... assim não dá pra deixar o âmago da questão escapar! Concordo contigo 200%. Os dados que Wright e Muller Landau usaram são da ONU, e indicam que pela primeira vez na história, vamos ter mais gente morando em cidades que no campo, em valores absolutos. A tendência da população humana é que, cada vez mais, a proporção de pessoas nas cidades vai ser maior que no campo. Porém, em valores absolutos, ambas populações vão continuar a crescer - a diferença que é a velocidade de crescimento tem sido maior em áreas urbanas há alguns anos. Olha o caso de Manaus. A cidade teve outro boom recente de crescimento - porém com baixo desenvolvimento, cujas condições precárias de saneamento, saúde pública e transporte causam um enorme onus na administração pública municipal e estadual. De tão gorda a porca já não anda. Já somos quase 2 milhões de pessoas aqui.. se a copa de 2014 (Manaus tem chances sediar jogos) vingar e decidirem reformar o Vivaldão (hehe..), vai precisar de planejamento para aproveitar os recursos para desenvolver a cidade... senão, vamos testemunhar a divisão das sobras pela matilha em alerta.

Teremos mesmo mais gente em todas regiões do planeta (... exceções existem) e pensar bem onde atuamos na sociedade para tentar melhorá-la é muito importante. Você enfatizou atuar no elo do consumo e ninguém vai poder te questionar: sempre vão haver mais pessoas, e elas vão dividir a conta. Lembro de um livro do Paul Hawken (The Ecology of Commerce) que dava ênfase a um assunto: para mudar a regra do jogo, é preciso embutir no preço de todas as coisas o custo socioambiental de toda cadeia produtiva. Imagina se, quando as pessoas comprassem um litro de suco de soja com cheirinhos coloridos, uma parte dessa grana fosse remetida de volta para investimentos socioambientais in situ? Isso tem até nome, são as 'Pigovian taxes' ou green taxes, em homenagem a Arthur Cecil Pigou, um economista inglês.

Em relação ao consumo ainda, penso que se os governantes atuassem para aumentar a EFICIÊNCIA energética de algumas atividades cotidianas das cidades poderia revolucionar as contas públicas. Na California, projetos arquitetônicos revolucionários de um ponto de vista energético, decidiram aumentar a espessura e isolamento térmico de prédios inteiros. Isso teve um custo moderado mas esses edifícios são capazes de economizar mais de 90% do consumo de luz elétrica de todo o edifício. O Síndico agradece!